Bob Vylan e Scúru Fitchadú foram ao LAV dar um baile, praticar a liberdade e lembrar-nos que a música não serve apenas para abanar a anca. Está aberta a protesdança!
I could do this all day long
Sing a song, a pretty little song
Blah-blah, rah-rah-rah
That’s alright, but I’d rather fight
[“Pretty Songs” de Bob Vylan Presents The Price Of Life (2022)]
Será possível falar do concerto de Bob Vylan em Lisboa sem falar de intervenção política? Sinceramente, não me parece e nem consigo vislumbrar qual seria a vantagem. Desde a sua atuação na última edição do festival de Glastonbury, que o percurso desta dupla londrina se tem visto envolta num manto de controvérsia. Os contundentes refrões que utilizaram em palco para condenarem o exército israelita resultaram no cancelamento da digressão americana e de um conjunto de concertos em território europeu.
Mentes mais cínicas dirão que essa coisa da má publicidade não existe e que toda esta polémica lhes valeu a atenção suficiente para que Humble as the Sun (2024) chegasse ao número 1 do top de Álbuns Hip Hop e R&B britânico. Aliás, os próprios admitiram, no concerto, que provavelmente muitos dos presentes só conheceram a banda precisamente por causa disso. A verdade é que também esses, estiveram lá para os ouvir. No entanto, parece-me ser justo sublinhar que o espírito contestatário da dupla londrina transcende a defesa do povo palestiniano e que a intervenção já faz parte da sua música desde o primeiro EP Dread (2019). Temas como desigualdade, racismo, violência policial, sexismo ou homofobia são presença constante nas suas letras e na sua forma de ativismo político.
Bobby Vylan e Bobbie Vylan (há quem use máscaras na face, estes jovens preferem fazê-lo no nome!) não lutam apenas com palavras, e tal como aqueles que invariavelmente virão à memória dos menos jovens como eu – os Rage Against the Machine (RATM) – fazem-nos com música forte e agressiva. Há quem chame Punk Rap à mistura explosiva entre sonoridades próximas do punk rock, hardcore, hip hop, grime e mesmo uns pozinhos de heavy metal! Aceito, afinal isso das etiquetas é sempre um pouco acessório.O cenário é simples. Apenas a bateria de Bobbie de um lado, e as colunas cobertas com a bandeira da Palestina do outro. A guitarra que mata fascistas de Bobby ficou no estúdio e a trilha sonora vem guardada em ficheiros eletrónicos para libertá-lo para cantar, rapar e soltar os seus demónios. Ao longo do concerto, no écran vão passando frases de luta relacionadas com a letras das canções!
Antes de entrarem em palco, ouvimos português. O tour manager (e promotor deste concerto) é um velho conhecido, ex-membro dos Primitive Reason. A banda é recebida por um LAV já em ebulição, mas como protesdançar puxa pelo corpo, Bobby guia o público para uns breves exercícios de alongamento e meditação! O concerto arranca com “Down”, do primeiro EP, e segue em velocidade de cruzeiro com malhas intercaladas dos últimos dois álbuns da banda “Bait the bear”, “GYAG (Get Yourself a Gun)”, “Take That” e “Dream Big”.
Segue-se o primeiro discurso. Bobby faz uma primeira referência às polémicas, apelando à calma e defendendo que não quer dar soundbytes à imprensa sensacionalista. Ao invés, apresenta “He’s a Man” enquanto critica a cultura machista dominante. Os ânimos “acalmam” com a cover “Everybody Loves the Sunshine”, apenas com a bateria e a trilha sonora, para logo a seguir rebentarem novamente com “Ring the Alarm”!
Em nova conversa com o público, Bobby diz que é a primeira vez que tocam em Portugal, elogia o que puderam ver e conhecer e fala da frase “Death to IDF” pixada numa parede. O público imediatamente irrompe no primeiro cântico da noite! O concerto prossegue com “Northern Line” e “Wicked & Bad” com Robbie a surfar a plateia! Canta-se “Free Free Palestine” pela primeira vez por toda a sala e o vocalista mostra estar atualizado sobre a situação política nacional, nomeadamente sobre o crescimento do Chega e das suas narrativas racistas e colonialistas. Canta-se “never enough” (ou “chega nunca”) como intro para “I Heard You Want Your Country Back”, na malha mais próxima dos citados RATM que ouvimos esta noite.
A banda aproveita para estrear ao vivo “Sick Sad Word” – single que sairá esta semana – e a experiência corre bem. Depois de “The Delicate Nature” e “We Live Here” cantado em uníssono pelo LAV, mais uma nova … apesar de pouco ensaiada, “Slam dunk” (adivinho eu o título), recebe uma aprovação ainda mais acalorada do público. «Se calhar, deveríamos ter tocado o disco novo todo»! O concerto acaba com as fortíssimas “Pretty songs” e “Hunger Games”, mais cânticos Free free Palestine e duas promessas – o regresso em breve a Portugal e «We will not be silenced»!
A escolha de Scúru Fitchádu para assegurar a primeira parte do concerto foi mais do que certeira. Para além da natureza contestatária, ambas as bandas partilham os caminhos sónicos da irreverência. No caso do projeto de Marcus Silva, o caminho passa por recuperar sons de influência cabo-verdiana (nomeadamente o Funaná) e misturá-los com estéticas mais contemporâneas como a eletrónica, ambiências mais escuras e uma atitude punk!
Depois de se estreitar com um EP homónimo em 2017, o projeto já lançou mais três álbuns muito bem recebidos pela crítica e pelo público Un Kuza Runhu (2020), Nez txada skúru dentu skina na braku fundu (2023), e o mais recente Griots i Riots, no início deste ano. Como seria de esperar o alinhamento privilegiou este o último disco, e logo ao segundo tema, “Idukasan i saud” onde cita a “Liberdade” de Sérgio Godinho, já o LAV salta e canta com a banda. Numa atuação que não deixou ninguém quieto, segue-se novo ponto altíssimo com “Kema palasio kema“ que termina com os famosos versos dos Dead Kennedys “Nazi Punks fuck off”! Dúvidas houvessem que o público estava conquistado, pediram-se e conquistaram-se dois encores … o esquema atrasou, mas todos ficámos a ganhar!
Texto e Fotografias: Rui Gato

























