Recordar bons e velhos tempos, assim como bons e velhos discos. Podem experimentar o álbum em casa, que só retirarão gozo e prazer deste fabuloso trabalho de Billy Bragg.
É quase criminosa a desconsideração do grande público em relação a Billy Bragg. Para os portugueses, genericamente falando, é um segredo tão bem escondido, que quase ninguém o conhece ou valoriza. Mas no Altamont existem intrépidos amantes de música e de serviço público e temos dentro de nós qualquer coisa stevensoniana que não nos deixa estar quietos, e por isso estamos sempre prontos para vos levar a ilhas sonoras onde muitos tesouros permanecem por descobrir. O filão, bem entendido, é inesgotável. Hoje, resolvemos pegar na pá e trouxemos ao de cima o último enorme disco do bardo inglês. Não que tenha deixado de gravar, ou de gravar com qualidade. Nada disso, mas Don’t Try This at Home (1991) é mesmo extraordinário, digno de permanecer, lado a lado, com obras primas como Life’s a Riot With Spy vs Spy (1983), Talking With the Taxman About Poetry (1986) ou Workers Playtime (1988). Ouvi-o tantas e tantas vezes, que ainda julgo saber de cor as suas dezasseis faixas. Feita esta introdução, assim já saberão que se trata claramente de um disco de estimação, vamos ao mergulho nestas águas límpidas, por vezes parecendo mar chão, outras onde se apresenta mais revolto. De qualquer das formas, a bandeira para este disco que é a minha praia, estará sempre verde.
O grande, poderoso e estrondoso destaque deste disco terá de ir para “Sexuality”, tema composto a meias com Johnny Marr, que chegou a atingir posições de topo nos tops da altura, tanto britânicos como americanos. É uma autêntica bomba de energia, explosiva como poucas, mas incapaz de provocar ferimentos a que a ouça. É mesmo muito difícil destacar canções melhores do que outras, neste Don’t Try This at Home, acreditem, mesmo sabendo da sua extensão. Tentaremos, a bem da vossa audição e como forma de chamariz, não vá quererem picar uma ou outra no spotify, referir uma mão cheia delas, apenas, para além do single já mencionado. Comecemos pela balada enternecedora de nome “Moving the Goalposts. Serena, de extrema e comovente beleza, é o segundo tema do álbum. Quem lhe ficar indiferente, precisará de cuidados de ordem psicológica e sentimental. Até o gelo do inverno mais rigoroso se derreteria, se pudesse ouvi-la. “Cindy of a Thousand Lives” é outro grande momento, uma espécie de canção épica adormecida. Um bocado na mesma linha de “Moving the Goalposts”, a brisa serena de “God’s Footballer” é uma terrenta homenagem a Peter Knowles, mítico futebolista dos Wolves, que terminou a carreira para enveredar por uma vida dedicada à religião, tornando-se testemunha de Jeová. Ainda por terrenos mais tranquilos, temos a gigantesca “Dolphins”, outra que acrescenta ao aquecimento global da alma. Por outro lado, se o que queremos é dar ao pé, então o divertimento não falta. Ouça-se a inicial “Accident Waiting to Happen”, ou a saltitante “You Woke Up My Neighbourhood” ou ainda a eletrizante “North Sea Bubble” e poderão fazer a festa onde quer que estejam. A meio caminho entre as do primeiro e segundo blocos (as mais lentas e as que vão em sentido contrário) há, por exemplo, “Body of Water”, onde se canta o verso que dá nome ao álbum: “I will cross this body of water / If you promise me you won’t try this at home”. É a canção que finaliza o álbum, e fá-lo em grande estilo. Por falar neste tema e nos seus versos, os derradeiros referem a uma mundo particular, “the wordy world of the Cornflake Girl”, pelo que talvez a este tema Tori Amos tenha deitado uma olhadela, quando gravou Under the Pink, de 1994?
Fica feito o texto na esperança de que o possam vir a ler e a ter em conta a sugestão. Para mais, retirar Billy Bragg do esquecimento a que está votado há muito, como referimos nas linhas iniciais, é uma obrigação. Apreciem Billy Bragg e podem try perfeitamente este disco at home ou em qualquer outro lugar.