Um dos nomes maiores da música improvisada feita no Brasil acaba de editar um novo trabalho a solo. Podemos estudá-lo, mas mais importante que isso é mesmo ouvi-lo.
Para escrever sobre António “Panda” Gianfratti seria preciso ter uma certa bagagem histórica ou musicológica, de forma a melhor poder interpretar o seu papel no que à música improvisada do Brasil e ao free jazz desse país diz respeito. Lamentavelmente, a era da informação ultra-rápida não permitiu, ao autor deste texto, estudar a fundo, e mais cedo, a vida e obra do músico que editou, este ano e pela portuguesa Nachtstück Records, Solo, trabalho composto por 13 peças. Peças essas que, como o próprio título indica, mostram o baterista alheado de quaisquer colaborações, imprimindo e explorando a sua própria técnica em cinquenta e cinco minutos de liberdade.
Porém, poder-se-à traçar o percurso de “Panda” ao longo das últimas décadas, de forma a dar pelo menos uma ideia do seu peso enquanto músico e do seu invejável currículo. Porque a sua história não começa no jazz; começa no rock n’ roll dos anos 60, tendo tocado com os Beatniks, conjunto oficial do programa Jovem Guarda – que tinha, à dianteira, um tal de Roberto Carlos. Daí, aliou-se a Jorge Ben para um êxtase chamado “Mas Que Nada”, encontrando-se depois com Sérgio Mendes. John Abercrombie também faz parte da sua lista de contactos… Até que, muitos anos depois, decidiu «radicalizar» – palavras dele, em entrevista à Jazz.pt – e seguir um outro trilho.
Repita-se a palavra “liberdade”, porque é esse o alimento principal daquilo que entendemos como free jazz e improvisação livre; está lá a defini-los, afinal de contas. Uma liberdade que pode, muitas vezes, ser “feia” ou “insegura” – como nos minutos iniciais de “Não Poderias Entrar Duas Vezes No Mesmo Rio”, peça com a qual abre Solo, e que ressoa áspera pela cóclea ao longo de toda a sua vasta duração, sem nunca se repetir. Para muitos, será uma terapia de choque. Para outros – quiçá mais abertos ao som em toda a sua plenitude – será um verdadeiro bálsamo, uma fuga à rigidez da melodia.
Importa destacar que todos os títulos em Solo formam uma história, uma espécie de haiku com o qual “Panda” parece filosofar sobre a vida em geral ou a sua em particular; poderíamos ver na segunda peça, “O Ritmo Tem Algo Mágico”…, uma explicação para o facto de ter escolhido a bateria (ou a bateria a si) ainda na juventude. A magia, essa, está escondida na sucessão de sons, caóticos como uma pedra correndo sobre a água. Uma água turva que não mostra os peixes em baixo, tal como uma mente enublada…
Não é apenas a bateria que cria António “Panda” Gianfratti – são também os instrumentos muito próprios que inventou de forma a dar novas cores à sua música, explorar outras possibilidades que não estejam inscritas em pedra. É isso que ouvimos, por exemplo, em “Se Eu Pudesse Explicar O Que As Coisas Significam”…, dona de um ritmo maleável que quase poderíamos descrever como tribal, se pudesse ser dançado segundo concepções antigas de dança. Possibilidades tantas, como aquelas que deveríamos dar a Solo, conhecendo ou não a fundo o seu autor. O conhecimento é poder, afinal de contas.
[bandcamp width=100% height=120 album=2926064700 size=large bgcol=ffffff linkcol=0687f5 tracklist=false artwork=small]