O “homem mais zangado do rock” regressa com um disco profundamente político, uma obra maior que não tem medo de, musicalmente, recuperar algumas das muitas forças dos Pink Floyd.
Tal como David Gilmour, seu antigo companheiro nos Pink Floyd, Roger Waters não tem sido exactamente prolífico no que toca a discos a solo. O seu último álbum de material original foi editado há perto de 25 anos, mas Waters, na verdade nunca se foi embora. Seja a correr mundo com as imponentes digressões de The Wall, seja noutros projectos com menos visibilidade, o homem que tanto quis controlar os Floyd que acabou por conduzi-los à sua destruição nunca se escondeu.
Musicalmente, talvez. Mas a sua voz, de “O Homem Mais Zangado do Rock” nunca deixou de se ouvir, seja nos ataques a Israel, à indústria das armas ou à sociedade vazia e mediatizada de hoje em dia. Waters não se esconde nem, já passado dos 70 anos, escolhe as suas batalhas. Vai a todas, de peito aberto.
Is This the Life We Really Want?, em formato pergunta, é a versão apurada de toda a raiva e angústia deste homem. Liricamente, Waters está numa fantástica forma, e não guarda balas para outras guerras. Num artista obcecado por álbuns conceptuais, este não o tem explicitamente, mas a ideia está lá.
É esta a vida que realmente queremos? Cada vez mais muros e fronteiras, imbecis e ditadores à frente dos maiores países do mundo, guerra, refugiados abandonados à sua sorte, caos, destruição, insensibilidade, egoísmo. Tudo isto e mais – drones, os manipuladores media- fazem parte do largo conceito deste disco, onde também há espaço para o amor redentor, algo frágil e precioso, que é preciso acarinhar e pelo qual é preciso lutar e nunca o dar por garantido.
Musicalmente, a paisagem onde todos estes habitantes pousam, este disco é um portento. Há um casamento perfeito entre a ansiedade das letras e o ambiente musical criado, numa simbiose só ao alcance de um grande e velho artífice como Waters.
Este é, diga-se, um disco absolutamente floydiano. Os temas, naturalmente Orwellianos, mas também as texturas, a composição, os ambientes. O que não deixa de ser surpreendente, dada a escolha de Nigel Godrich para produtor. Mas este, na verdade, não tenta dar um tom modernaço ao disco. Pelo contrário, introduz aqui e ali verdadeiros piscares de olhos à história dos Pink Floyd, revelando o fã que também é. E o próprio Waters, que continua a ter uma relação amor-ódio com o seu legado mais relevante, parece aqui ter feito paz com a banda que ajudou a mudar a música mundial. Por entre a predominante guitarra acústica, o piano esparso, as cordas, estão lá os coros tensos, a guitarra eléctrica, os sintetizadores ameaçadores. Saudosismo? Talvez. Mas é uma maravilha.
Is This the Life We Really Want? é um disco mais conseguido do que o bem razoável Rattle That Lock (2015), de David Gilmour. Mas dentro deste universo floydiano, há vários momentos neste disco de Waters em que rezamos para a límpida guitarra de Gilmour entrar por ali a dentro, a libertar a tensão e a enviar-nos para uma última viagem alucinante. Só na magnífica “Picture That” a guitarra de Jonathan Wilson (sim, esse) tem liberdade para brilhar, e por breves minutos.
Não conseguimos deixar de pensar o que seria este disco com um pouco da guitarra ligeiramente azeiteira de Gilmour de Rattle That Lock: seria um disco de Pink Floyd digno de figurar entre os cinco melhores da banda. E dizer isto não é pouco.
Este é facilmente o melhor trabalho a solo de Waters. Um disco maduro, complexo, com camadas sonoras e de mensagem. Um disco que nos exige a que olhemos para o estado a que o mundo chegou, e que respondamos à simples mas fundamental pergunta: é esta a vida que realmente queremos? Waters escolheu o seu lado há muito (já em Animals falava de muito disto), e infelizmente o mundo tem-lhe dado razão.
Fica o grito. Que, lançado com toda esta elegância, classe e mestria, erige aqui uma obra marcante e urgente, neste atribulado ano da graça de 2017.