Virada a página de mais uma edição, foram os australianos Parcels quem mais se destacaram.
Última chamada para o Primavera Sound do Porto do ano de 2025. Apesar de ainda haver festival hoje, o verdadeiro ponto final deu-se ontem. Sem chuva (que alívio não haver dilúvio!), com temperatura amena e o bom ambiente de sempre. Bons concertos, bons momentos, bons amigos. Talvez tudo isto seja já um prenúncio de saudade…
Maria Reis precisa de amigos (ex-Pega Monstro, daí a brincadeira da expressão anterior) e por isso fomos vê-la. Acabada de chegar da digressão americana com o mais luso do que americano Panda Bear, foi ela quem abriu o derradeiro dia de atuações, e mais cedo do que em qualquer outro. A jornada ia ser longa e as pernas temiam o desgaste das horas passadas e mais ainda o prenúncio das horas futuras. Fosse como fosse, foi assim que foi. Vamos lá ao parco relato da coisa, pedindo antecipadamente desculpa pelo eventual desgaste das palavras em apreço. Três dias não são três horas. Mas voltemos ao concerto de Maria Reis. A dinâmica do costume, as canções orelhudas que as pessoas presentes cantaram a plena voz (“coisas do passado / coisas do passado”) tornadas presentes, ontem. Deu o que sempre se espera dela, entrega e vontade de estar em palco.
Nunca Mates o Mandarim jogavam em casa. Os três moços da Invicta devem muito ao pai desta coisa toda, que tem no rock o seu caminho. Rui Veloso deve sorrir ao ouvi-los. Ele e outros, claro, como Miguel Araújo, outro que aprendeu com as canções do Chico fininho mais conhecido do país. A onda é poética, sensível, melódica e as letras falam sobre tostas mistas e deuses e destinos que se cruzam. O lastro das letras feitas no Porto que contam histórias continua, muito graças à inspiração de décadas de Carlos Tê, outro que deve misturar sorrisos com orgulho quando ouve estes rapazes. Está tudo lá. Não enganam. São bons de dança, também, que isto de escrever canções que são convites à nostalgia tem de ter intervalos para melhor se respirar. Uma piscadela de olhos à beleza da mulher portuguesa (“eu sei, eu sei és a bela portuguesa…”) fez as meninas mais crescidas sorrirem bem alto. Tudo sorrisos, portanto. Foi um concerto alegre. “Coisinha sexy”, por assim dizer.

Fomos rapidamente (a galope) para Horsegirl. São as novas Electrelane, pensámos, numa primeira audição. Tímidas, as três, cada uma na sua, indie look a toda a prova. Baixo e bateria em modo stereolab meets motorika em baixa rotação. Que maravilha! Vieram de Chicago, estavam cansadas, mas melhoraram depois de terem comido o melhor peixe das suas vidas. Nada mau, como apresentação. Com estas raparigas não há rodeios, cada canção vai certeira aos corações mais alternativos, estilo flecha de Robin Hood no reino de Nottingham. Fomos abanando a cabeça até ao fim, naturalmente. Baixo, guitarra (um teclado, de quando em quando) e uma bateria, repetimos. Nada mais é preciso. Quando na onda certa, é o que basta para nos fazer felizes.
Também há dilemas para resolver nos festivais. Muitos e grandes, por vezes. Entre Parcels (o hype é enorme) e a enorme Kim Deal. Não deveria colocar-se, esta hesitação, mas a vida tem mistérios insondáveis e ficámos com os primeiros (shame on us). O arrependimento, esse chicote psicológico, marcar-me-á as costas, quiçá mais tarde. A danceteria “Overnight” e “Lightenup” venceu. Parecem gémeas siamesas, as canções. Entrada brutal! Estes down unders metem-nos aos pulos como cangurus! “Tieduprighnow” foi outro exemplo revelador dos marsupiais que temos dentro de nós. Todos sabemos o que esperar de um concerto dos Parcels e foi a isso que assistimos. Parecia uma festa de fim de ano, mas em bom, trocando passas e desejos por cerveja e abraços entre amigos. Muito pularam os altamontianos presentes. Se a escrita sair com gralhas, foi dos saltos em catadupa. Estivemos durante uma hora e meia envolvidos num oceano Atlântico de gente com vontade de naufragar em alegria e contentamento. Como também se esperava, Maro cantou com os Parcels e foi outra loucura, quando a chamaram ao palco. “Leaveyourlove”, na ambiência bilíngue da sua letra, serenou e fez sonhar (contigo) sobre qualquer coisa boa. Foi muito bonito.

Duas ou três linhas sobre Destroyer, que isto de ter a escrita de um festival às costas também dá fome. E como vem atuar, dentro de meses, em concerto próprio, está tudo bem. Desculpem-nos. O pop adulto de quem nos deu, há muito, Kaputt mantém-se, o que são boas notícias. Tem viajado por ambientes musicais diversos, ao longo dos anos. No entanto, e pelas humanas razões descritas (aqui já não estávamos em modo marsupial), estivemos tempo insuficiente para podermos saber o que Dan Bejar trazia para palco. Inócuas, estas linhas, mas que cumprem o propósito de fazer referência a quem a merece.
O mesmo se passou com as Wet Leg (renovado pedido de desculpas). Foi muito ao longe que as ouvimos. O rock alternativo de guitarras altas soava por meio recinto do festival. Os écrans gigantes ajudavam a ver a banda, sobretudo a sempre em destaque Rhian Teasdale, que parecia ter-se enganado na indumentária, mais ao jeito da praia do que para a noite fresca que se abatia, aos poucos, sobre nós. Rock a ser rock n’ roll, pois então! Por falar em rock, foi o que nos valeu. Rock ao jantar é um luxo que se mastiga bem e se engole melhor ainda. Fizemos bom proveito, obrigado.
As Haim são a personificação dos sonhos de quaisquer teenagers, como aqueles que seguramente tiveram as três manas em palco. Tornaram-se mulheres e seguem-no com a mesma garra de sempre, agora com a certeza de que se cumpriu. Emocionaram-se várias vezes, levando ao choro a baixista Este Haim. Alana chegou mesmo a dizer que casaria com qualquer um dos presentes, e eram vários milhares, note-se. O rock tem destes bons exageros sentimentais. Os seus temas são simples, daqueles que com facilidade se colam aos tímpanos dos que gostam de trautear temas mais ou menos orelhudos. Vão intervalando canções com confissões das suas vidas pessoais, tornando o concerto uma espécie de reality + comedy show musicado. O público gosta e sublinha com gritos as declarações mais ao estilo Revista Caras com bolinha no canto superior direito de um qualquer ecrã imaginado. E foram acrescentando “Gasoline” ao alinhamento. São divertidas, as norte americanas. Assim se passou quase hora e meia de concerto.

Depois das manas Haim, o palco principal do festival, o Palco Porto, tornou-se uma tenda de techno a céu aberto. Foi isso que Jamie xx, membro dos importantes The xx, trouxe à última noite do Primavera Sound. Electrónica a bombar, sentida até nos rins deste pobre escriba. O aparato de luz quase exigia óculos escuros. Não era esta, a festa que queríamos, portanto fomos espreitar a outra ponta do recinto. O que parecia ser uma distância de metros, revelou-se de milhares de quilómetros, tal a diferença sonora entre palcos. No Vodafone, os Turnstile disparavam riffs contagiantes, causando um tumulto controlado entre o público, que vibrava em forma de abanar de cabeça ou no meio do mosh. Arrancando com “NEVER ENOUGH”, do recente álbum com esse mesmo nome, desfilaram os seus novos temas e os mais antigos para êxtase generalizado dos bastantes fãs hardcore que já conquistaram. Carregámos em skip. Em skip total. Final.
Confirmado por José Barreiro, o diretor do Primavera Sound Porto, o festival trouxe ao recinto do Parque da Cidade mais de 110 mil pessoas. Nenhum dia esgotou, é um facto, mas também é verdade que voltará em 2026, nos dias 11, 12 e 13 de junho. Ainda bem. É, sem sombra de dúvida, um festival diferente de muitos dos demais. Não é apenas um outro “festival de verão”, mais que não seja por existir em plena Primavera, claro está. Daqui a um ano, se o mundo não se tornar um lugar ainda mais sombrio e desumano, voltaremos a respirar o ar pacífico de Matosinhos. Bem-haja, Primavera Sound!
Nota breve de rodapé: não morreremos de arrependimento por termos ficado em Parcels. Talvez tenha sido o concerto mais contagiante dos três dias do Primavera Sound.
Fotografias: Inês Silva

































































































































