Há discos feitos para sair do caos. It’s a Beautiful Place, suspeito, foi feito a partir do caos e no caos reina, no seu desleixo estudado.
It’s a Beautiful Place é um disco intrigante. Arranca com vinte e seis segundos de ecos sonoros, aparentemente de situação aquática, que não leva a lado absolutamente nenhum. Passa para “Life Signs”, música em modo pára-arranca, vacilando entre o um refrão que encanta, e estrofes com ritmo tenso, guitarras a mexer com o sistema nervoso, deixando-nos com a incerteza do que virá a seguir. E é assim que este disco dos Water From Your Eyes nos vai sendo servido. O título, It’s a Beautiful Place, chega-nos quase como ironia, mas uma ironia gentil. É bonito, sim, mas não de maneira óbvia.
É um disco que passa num instante, dez músicas, três delas meros interlúdios, 29 minutos que voam, e chegamos ao fim sem perceber o que raio aconteceu. No meio das canções a destacar, como a acima referida “Life Signs”, “Born 2” e “Playing Classics” há toda uma miríade de curvas e contra-curvas, que nos deixa bastante perdidos. Há um inegável desleixo estudado, uma vulnerabilidade sem dramatização, um reflexo de alguém que se habituou a carregar um desconforto que já nem dói — apenas acompanha. E é precisamente por isso que as canções funcionam: porque não procuram resolver o que sentem. Observam, deixam estar. E nós, por arrasto, também ficamos ali suspensos, a meio caminho entre uma gargalhada e um suspiro.
A voz de Rachel Brown, sempre num registo meio distanciado, parece que nos lê um diário que não era suposto chegar às nossas mãos. E é, de certa maneira, reconfortante, nessa transparência acanhada, como quando vemos alguém admitir que tem medo do futuro, mas sem fazer grandes floreados à volta desse mesmo facto.
Depois há a música, claro — aquele minimalismo desajeitado que já é marca da casa (este é o sétimo disco da banda). Ao mesmo tempo excêntrica e turbulenta, marcada por compassos estranhos, misturas estilísticas e emoções conflituosas escondidas por detrás de sorrisos atordoados. Cada faixa é como um quadro onde alguém decidiu não apagar as marcas do pincel. Nada é perfeitamente limpo, tudo parece feito de fragmentos, como se os Water From Your Eyes tivessem colecionado pequenos acidentes sonoros e os tivessem alinhado numa espécie de coreografia de tropeços. Mas há uma lógica — ou melhor, uma honestidade — que sustenta tudo.
Há discos feitos para sair do caos – este foi feito a partir do caos e no caos reina. O mencionado no título beautiful place não se dá a deslumbramentos, mas antes quer deixar-nos com a sensação de que a beleza não está em conquistar, mas em sobreviver o suficiente para perceber que, apesar de tudo, o mundo tem recantos que brilham quando nos distraímos.
Estarão na Casa Capitão no próximo domingo, dia 7 de Dezembro.