Alguns autores defendem que a música é algo que, per si, não serve para nada, na medida em que não representa para o Homem, enquanto espécie, qualquer garantia ou importância vital para a sobrevivência. E apesar do “choque” que esta ideia possa representar para os mais viciados, não precisamos de a complicar para perceber que ela contém um forte fundo de verdade. Genuinamente, ninguém precisa da música para se manter vivo. Se a qualidade das nossas vidas seria a mesma, é outra conversa.
São muitos os ensaios e estudos científicos que procuram entender os mecanismos de percepção sensorial da música, estudar os seus efeitos e mecanismos de alteração fisiológica e psicológica, mas no final os especialistas são unânimes em considerar que a relação do Homem com a música é, fundamentalmente, de cariz emocional. Isso explica porque não são necessários conhecimentos teóricos ou habilidade técnica para apreciar música. E fazemo-lo de forma involuntária mas também inconstante, já que uma mesma música não tem o mesmo “efeito” se mudarem as variáveis em torno da sua audição (tempo, espaço, contexto). Esta plasticidade é mais um dom do nosso cérebro que da música em si, mas ilustra bem o poder invasor desta arte na nossa existência – bem como a nossa capacidade de criar diferentes ambientes de acordo com as circunstâncias.
Tycho (Scott Hansen) é genial a criar essas atmosferas sonoras. Designer, fotógrafo e compositor, usa com mestria a electrónica para nos proporcionar a magia do teletransporte, para cada um o seu lugar. A mim, a sua música sabe-me a praia. Esta “imagem” não é inocente, já que muitas das suas referências visuais e estéticas (blog) estão associadas ao surf, à beira mar e aos finais de tarde melancólicos, o que me condiciona, por sugestão. Mais um truque do cérebro, portanto.
Apesar do refúgio electrónico aparentemente simplista, Tycho mantém uma regularidade estética exemplar ao longo de toda a sua discografia (singles, EPs e álbuns). Quero dizer, soa tudo mais ou menos ao mesmo mas cada disco produz um efeito diferente; talvez não seja da música, mas de nós próprios e/ou do contexto. Dez anos se passaram desde o álbum de estreia, e mais uma vez este Awake (quarto LP) revela-se uma banda sonora excepcional para o sol de fim de tarde dos dias grandes que hão-de chegar. Até lá, são dias mais fáceis de imaginar, despertos. E mesmo que não se precise dela, com música assim vive-se melhor.