Mais do que o talento musical em palco de Sílvia Perez Cruz e Salvador Sobral, o Coliseu encheu-se de sorrisos e abraços, canções belíssimas, gargalhadas e espírito solidário, numa verdadeira ode à amizade.
O concerto ainda não tinha começado mas a plateia parecia ser um encontro de amigos, de idades e vidas distintas, em cumprimentos barulhentos, telemóveis no ar e acenos para outras zonas da sala, grande parte das pessoas ainda de pé, abraços alegres entre quem parecia já não se ver há muito. O forte aplauso de recepção à entrada dos 5 músicos em palco seria só o início de uma noite que foi de encontro a esta celebração da amizade.
Sílvia Pérez Cruz e Salvador Sobral, acompanhados por Dario Barroso (guitarra), Sebastia Gris (guitarra, banjo, bandolim) e Marta Roma (violoncelo), andam em digressão mundial desde que o álbum Sílvia & Salvador se fez luz em Maio de 2025. É uma colaboração com canções escritas por amigos próximos da dupla, como Luísa Sobral e Jorge Drexler, cantado em português, catalão, espanhol, inglês e francês, que toma conta de nós a cada tema e desde o início, com a excelência instrumental e o tanto que transborda na voz de ambos. Não é um disco para ouvir enquanto se faz algo importante, porque é garantido que nos vai roubar o foco, ou como música de fundo, porque seria só um desperdício. Se fecharem os olhos um bocadinho e abrirem o coração, como vi alguém fazer durante o concerto, até são capazes de se emocionar. E isso é noite ganha.
A dupla conheceu-se muito antes de se conhecer, quando já se faziam companhia em fases de vida complexas, e já havia respeito e admiração mútuos. Na amizade nasce a cumplicidade, a vontade de trabalhar juntos, que ao vivo esteve ainda mais presente.
Tinham acabado de abrir, com “Ben Poca Cosa Tens”, e Sílvia já a pedir participação do público. Foi inédito, para mim, que o tenha feito e ver a maior parte a cantar com ela. E logo após, introduzida por um pequeno áudio pré-gravado onde se podem ouvir Jorge Drexler, Sílvia e Salvador falando de coração, “Corazon Por Delante” fala-nos de como está “más que claro que el amor nunca tomó prisioneros”. Neste público nem sequer parece haver resistência à ideia.
A canção “Já Não é Tarde” é apresentada por Salvador como sendo a mais bonita do disco, composta pela irmã Luísa Sobral de forma “natural” (entre os 4 filhos pequenos que preenchem o silêncio com o barulho de… 4 filhos pequenos). É também o meu tema preferido, o casamento perfeito das vozes e harmonização dos 2 intérpretes. Cantá-lo no Coliseu levou Salvador às lágrimas.
Com muita cumplicidade em palco, piadas “internas”, abraços, Salvador Sobral liderou a interação com o público, dando espaço a cada músico, citando influências musicais, posições políticas (fiquem atentos à saída de um novo partido político: PI – Partido Ibérico), detalhes de outros concertos, histórias, brincadeiras e partilhas pessoais. Não foram necessários petiscos ou tapas e vinho, para desfrutarmos de um banquete e nos sentirmos em convívio informal, à mesa.
Sílvia Perez Cruz emana ternura e versatilidade em cada vibrato, cada intervenção, cujo solo em palco reservou para interpretar “Gallo Rojo”, uma famosa música de protesto da Guerra Civil Espanhola, nesta noite em homenagem a todos os palestinianos. Também do público se ouviram os gritos repetidos de “Free Palestine”, sublinhados pelo apoio que encontrou em palco e na plateia.
Vale a pena ouvir (e voltar a ouvir) todo o álbum. Mas quem esteve presente poderá validar uma noite onde cada poema foi cantado, partilhado e saboreado, com tempo e carinho, ora em lume brando ora em fogo alto, para abrir todos os condimentos e chegar a todos os cantos da sala. Com muita alegria e, sobretudo, amizade.
Fotografias: Felipe Kido

























Não estive lá presencialmente. Mas o texto é tão rico que ao lê-lo foi como se tivesse estado e vivido as mesmas emoções. Parabéns pela excelente partilha.