Um pouco mais de um ano depois do concerto de estreia no festival NOS Alive em 2024, as Larkin Poe mostraram, mais uma vez, a Lisboa o seu magnetismo e total controlo do palco.
A noite de leve chuva lisboeta parecia perfeita para a descarga emotiva e intensa que tomou o Coliseu Club, a sala menor do Coliseu dos Recreios que, à primeira vista, poderia parecer algo estéril quando comparada à venue principal, mas não foi o caso.
A primeira parte ficou a cargo de Son Little, o alter ego de Aaron Earl Livingston. A liderar na guitarra e na voz um trio que contava ainda com Brandon Combs na bateria e Joshua Blaylock nos teclados, trouxe ao palco uma mistura de soul, blues e R&B que não poderia ter sido mais à medida para a noite.
A voz de Aaron salta das colunas do Coliseu, e a emoção e honestidade são palpáveis nas suas letras, enquanto o trio entrelaça inicialmente os instrumentos de forma espaçada, permitindo que todo o sentimento venha à tona nos espaços em branco. Aos poucos, o concerto de Son Little vai ganhando mais e mais força e intensidade, e é em The Middle que parece ter conquistado toda a atenção da sala — até mesmo daquelas pessoas que, só posso imaginar, terão vidas tão interessantes que só se calam em momentos cataclísmicos.
O concerto de Son Little manteve a energia elevada, intercalada com momentos introspectivos até ao fim, quando culminou com about her. again., executada com tanta força que nos deixou a querer mais.
Uma pequena pausa é feita e, então, o palco das Larkin Poe começa a tomar forma. Sendo esta a digressão de Bloom, o seu oitavo álbum de estúdio, o cenário estava em plena sintonia com a temática — tal como elas já nos habituaram. No concerto do ano passado, na altura do lançamento do single “Bluephoria”, ambas surgiram vestidas de ganga dos pés à cabeça. De ambos os lados do palco, arranjos de flores; ao fundo, um backdrop florido e assumidamente kitsch, a combinar com os tecidos que cobriam as partes do backline que, convenhamos, não interessam a ninguém.
As luzes apagam-se e começa um desfile de trechos de clássicos country, mencionando flores aqui e ali, com mudanças bruscas entre eles, como ao procurar a estação perfeita numa rádio FM — algo que não requer explicação ao público presente. E é então que sobem ao palco Ben Satterlee (bateria e voz), Tarka Layman (baixo e voz) e Lucas Pettee (teclado, guitarra, mandolin e voz) e, não muito depois, as irmãs Lovell: Rebecca, a empunhar uma guitarra, e Megan, num lap steel.
O controlo das irmãs em relação aos timbres de seus instrumentos vai ser evidente durante todo o concerto, é mais do que ter instrumentos bons e caros, é puro conhecimento e estudo do seu instrumento, com cada acorde de guitarra soar deliciosamente bem.
O crescendo da banda, enquanto a backing track ainda toca, serve para anunciar a primeira pedrada do alinhamento: “Nowhere Fast” e os seus poderosos riffs sulistas. A canção de abertura já antecipa o que será todo o concerto — petardos, harmonias vocais, duelos entre guitarra e lap steel, e a presença magnética das irmãs a tomar completa posse do palco. Mais canções de Bloom seguem-se — “Mockingbird” e “Easy Love Pt. 1”. A ligação entre as irmãs é profunda e nota-se nos duelos de guitarra, nas harmonias vocais e na simples cumplicidade dos olhares trocados. Em seguida, “Summertime Sunset”, do álbum anterior Blood Harmony, demonstra a força de toda a banda, com solos intercalados de Rebecca, Lucas e Megan.
Quando as luzes azuis inundam o palco, e o fumo e as paredes brancas parecem fundir-se numa só coisa, é “Bluephoria” que começa — e o público, em uníssono, acompanha as irmãs. O lap steel de Megan brilha aqui com uma subtileza harmónica que salta aos ouvidos. Ao começar a poderosa “If God Is a Woman”, com o seu tema de quebra de expectativas em torno do papel da mulher, Rebecca anuncia que teve um bebé há três meses. Se o esperado num concerto das Larkin Poe é a intensidade, aqui as irmãs seguem um caminho diferente do álbum e cantam com tanta força que parece um ato de purificação.
Para encerrar a primeira secção do concerto, Megan chama, no lap steel, a canção que abre Blood Harmony — “Deep Stays Down” — e o seu refrão hipnótico, para, mais uma vez, a banda terminar de forma demolidora.
O que se segue é uma secção não totalmente inesperada, por já fazer parte dos concertos delas — como vimos no NOS Alive do ano passado. As irmãs cresceram na Geórgia a ouvir bluegrass e trazem agora um pouco desse universo ao palco. Rebecca assume o papel de professora de bluegrass e old-time country, enquanto a banda, agora munida de dobro, guitarra acústica, contrabaixo e mandolin, se reúne em torno de um único microfone condensador omnidirecional — da forma que é comum no bluegrass desde, basicamente, sempre.
O silêncio do público, aqui, demonstra a total imersão — com uma boa parte a cantar os refrões de “Southern Comfort”. Para minha surpresa, uma das melhores músicas de Bloom, “Little Bit”, surgiu nesta secção, agora também com banjo. É mais um exemplo de que, quando a música é boa e sincera, pouco importa se é tocada com vários amplificadores de 100 W por trás ou pelo simples som de uma caixa captada por um único microfone — o público deixa-se levar, ainda que de formas diferentes. Em seguida, “Fool Outta Me” trouxe um momento descontraído e serviu para Tarka Layman — que toca na banda há mais de dez anos — ter o seu momento de brilho com o contra-baixo.
Para encerrar a secção acústica, Rebecca dedica a canção seguinte — ainda inédita —, Devil Music, a Ozzy Osbourne. Num momento brilhante, depois de uma música que promete muito quando vier a ser lançada, a banda vai, aos poucos, retomando os seus instrumentos originais e termina com um refrão ou um outro, com a força esperada das Larkin Poe. E, depois desses minutos calmos, nota-se o volume.
O alinhamento continua com “Bad Spell” e “Pearls”, e aqui fica claro que a banda pode fazer o que quiser, e o Coliseu aceitaria de braços abertos. Para fechar, a banda inicia imediatamente “Bolt Cutters and the Family Name”, e, como se fosse possível, este é o ápice da energia de todo o concerto, com o público a cantar em uníssono.
E cantou alto — mais do que isso, não parou de cantar enquanto a banda deixava o palco, só interrompendo quando elas voltaram para mais uma. A noite terminou em grande com “Bloom Again”, que começa como um belo dueto country e se transforma num grandioso hino de rock de arena. Aqui, o Coliseu despede-se das Larkin Poe, alguns com lágrimas nos olhos — a reação correta depois de uma hora e meia de rock’n’roll alto, intenso e com muita alma.
Fotografias: Inês Silva


























