A Produções Incêndio está a celebrar agora o seu segundo aniversário. Com esta efeméride em mente, o Altamont quis perceber como têm sido estes dois anos e foi falar com três dos seus integrantes: Manuel Seatra, Jorge Barata e Alexandre Silva. Pelos corredores da Casa Independente, em dia de Casa Ardente – residência artística da promotora neste espaço –, fica o registo de uma conversa na qual se reflete o trabalho desenvolvido pela Produções Incêndio, cujo olhar se foca agora no futuro, que engloba, entre outras, uma eventual expansão para fora dos limites da capital.
Vamos começar pelo princípio: como é que tudo isto teve início?
Manuel Seatra: Jorge…
Jorge Barata: A Produções começou há dois anos – está a haver agora o aniversário, portanto, faz sentido. Eu não estava nessa altura, ainda, nem aqui o meu irmão Xano [Alexandre Silva], mas o Manuel estava a daí ter passado sem necessidade nem sentido a palavra, mas pronto (risos). Começou há dois anos com um grupo de amigos, começou com o Manuel e com o Gonçalo se não me engano.
Alexandre Silva: E com o Gil…
MS: Comigo, com o Gonçalo Soares, o Gil Gonçalves dos Espaço em Branco, o Tiago Nunes também, que é o nosso designer, e, entretanto, também entrou a Matilde, que era uma colega minha de teatro na altura, que agora está em Londres. Basicamente a ideia, formando uma comunidade artística, era dar-nos palco, por assim dizer. Era uma ideia um bocadinho egoísta, só que, entretanto, tornou-se uma coisa um bocadinho maior e começámos a fazer cada vez mais eventos pontualmente e, depois, percebemos que podíamos dar uma regularidade suficientemente prestigiada a isto. Sem querer estar a ser muito egocêntrico e moralista, mas acho que fazia falta qualquer coisa que fosse multidisciplinar e essa foi sempre a nossa matriz de raiz, foi que as coisas teriam de ter uma pluralidade de vertentes artísticas, que não seria só focado na música ou no cinema ou numa área artística em que trabalhássemos; o que é certo é que todos estávamos a trabalhar numa e todos queríamos ter atuações e todos queríamos dar atuações a núcleos de amigos, a artistas que admirássemos e foi um bocado daí que surgiu.
Que dificuldades é que encontraram no início desse percurso?
MS: Acho que no início até foi mais simples, na verdade. Primeiro, porque não havia nenhuma espectativa nem da nossa parte nem da parte do público, que simplesmente não existia, portanto não tínhamos nenhuma espécie de compromisso. Depois, para planear o primeiro evento nós organizámo-nos, fomos investigando em vários espaços com o intuito de fazer o nosso evento de estreia, mas como não havia esta cena do “ok, está aqui, tens de fazer aqui a tua coisa”. Nós fomos desenvolvendo o nosso trabalho assim, a perceber que dá para trabalhar com vários espaços e dá para teres um conceito de produtor itinerante, portanto vais andando por vários espaços. Depois disso, as dificuldades que se sentem agora se calhar são muito mais incisivas – a questão monetária, a questão de tu agarrares um público, de perceberes o que é que é o teu público, o que é que o teu público quer, como é que tens um público: tudo isso começa a ser um bocadinho mais marcante do que se calhar ao início, não havia… era uma coisa casual e que foi originando no que é agora.
Nessa questão, ao nível do financiamento, vocês são independentes ou têm alguns apoios?
MS: Somos.
AS: Somos completamente independentes neste momento e não temos qualquer tipo de apoio estatal nem qualquer tipo de apoio de outra qualquer entidade, ou seja, nós funcionamos com o produto do que nós fazemos. Começámos a realizar eventos aqui e ali, começaram a dar frutos, portanto é com essa matéria que nós fazemos agora o trabalho que temos desenvolvido ao longo destes mais recentes tempos e pronto, tem sido assim, tem sido um percurso independente, com dois anos, que eu acho que tem sido um sucesso.
E nesse caminho que agora chega a uma marca importante, que retrospetiva é que fazem do trabalho realizado?
AS: Eu acho extremamente positivo. É assim, a partir do ponto em que nós conseguimos ter uma residência artística, conseguimos dinamizar eventos com uma grande pluralidade, ou seja, não incidir só na música… Por exemplo, aqui o conceito da Casa Ardente: nós temos uma exposição, temos duas bandas e temos DJ set; ou seja, conseguimos sempre criar eventos que tenham uma pluralidade de vertentes artísticas, o que para nós é sempre uma vitória e é esse o nosso objetivo principal, que é conjugar todos os tipos de artes e conseguir que haja uma fusão entre todas essas vertentes artísticas
MS: Se tu olhares em retrospectiva para este ano, por exemplo, nós na verdade temos duas residências artísticas, porque não contamos só com a Casa Ardente, contamos também com o Buster Keaton Musicado, que foi uma iniciativa que nós tivemos no EKA Palace, que era com base em filmes de anos 20 e anteriores, tudo da autoria do Buster Keaton por uma razão muito simples na verdade – era porque os direitos de autor já tinham cessado e então não tínhamos de pagar esses direitos. Convidávamos artistas da nossa faixa etária, alguns até mais novos, e havia esse generation gap de eles se adaptarem ao filme e o filme, de certo modo, se adaptar à música deles. Tivemos quatro sessões com piano e uma com violino e foi muito interessante ver também a perspetiva do público, porque nós aí, apesar de estarmos como programadores, também funcionávamos um bocadinho como público porque estávamos sentados a ver a coisa a acontecer e percebíamos que havia ali uma fusão interessante.
Há algum momento neste percurso que vocês queiram destacar?
MS: Há claro!
AS: Sem dúvida! Eu acho que nós temos um momento que é marcante…
MS: É unânime. (risos)
AS: Eu… É o quê?
MS: É unânime!
AS: É unânime, é unânime exato. Eu entrei para a Produções posteriormente a isso, mas fui voluntário nesse evento. Eu não sou de cá, sou de Vila Nova de Gaia, eu cheguei à FLUL [Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa] e das primeiras pessoas que conheci foi o Manuel e comecei a relacionar-me com a Produções desde cedo e a ouvir o Manuel falar com entusiasmo da Produções. Esse evento específico – que foi a homenagem que fizemos ao Zeca Afonso na Voz do Operário – é, sem dúvida especial, porque nós termos aquele coletivo de artistas tão rico, nomes como B Fachada, JP Simões, o próprio [Allen] Halloween, temos uma pessoa contemporânea do Zeca naquele evento a tocar com o…
MS: Com o Benjamim!
AS: Com o Benjamim exatamente, e o senhor chamava-se A. P. Braga e é algo fantástico, houve uma fusão de gerações naquele dia em homenagem a um homem que permite hoje haver expressão artística, ou seja, sem dúvida, pelo sucesso do evento e pelo cariz que esse evento tem é especial, é especial sem dúvida.
Como é que surgiu…
MS: A ideia de fazer o em Em Cada Esquina um Amigo? Foi um sonho! Isto agora vai parecer bué clichê, mas pronto, eu já contei isto em rádio também, é engraçado… Foi um sonho que eu tive algures no final de dezembro do ano passado, portanto 2016; eu não sonhei com nada em concreto, foi um cartaz com a cara do Zeca, uma coisa assim meio disforme, tudo muito desfocado, e, como há aqueles sonhos em que tu acordas e te vais esquecendo de fragmentos do sonho, eu estava com muito medo de me esquecer daquilo e liguei logo ao Jorge a dizer “ ‘pá eu tive este sonho e acho que se poderia concretizar, vamos tentar fazer com que isto aconteça!”. A verdade é que nós pusemos um bocado a corda na garganta da Produções Incêndio quando avançámos com isso porque nós não conseguíamos nem perceber qual era a nossa mancha de público, não sabíamos qual é que ia ser o alcance do evento, nem sabíamos ao certo como é que as pessoas iam lidar com uma coisa não sendo um tributo assumido ao Zeca: nós nunca impusemos nada aos artistas, nunca dissemos “isto aqui é um evento em que vocês vão ter de tocar versões de Zeca Afonso, não; é um evento em que vocês podem tocar as vossas próprias versões porque vocês são artistas que, alguns se calhar mais dissimuladamente do que outros, mas todos são influenciados por Zeca Afonso”. Então, unindo esse leque de artistas – que foi um bocado escolhido entre mim e o Jorge, foi meio dividido –, surgiu um evento… opá eu não sei, eu chamo àquilo quase histórico sinceramente, apesar de… pronto, é outra vez egocêntrico, estar a ser eu próprio a dizer que o meu evento é histórico, mas para mim foi sem dúvida dos dias mais felizes da minha vida! É arrepiante tu veres tanta gente de tantas gerações diferentes a partilhar do mesmo entusiasmo por pessoal que está agora a fazer aquilo que o Zeca promovia, que era a multiculturalidade, a interpretação de várias culturas em palco e não teres medo de o assumir enquanto artista, a cena de cantares em português, que também durante uns anos parecia que havia sempre aquele medo, aquele afastamento e pronto, é um bocado por aí.
Neste vosso trabalho, o que é que vos dá mais prazer?
AS: Para mim, pessoalmente, e acho que posso falar também pelos meus colegas, é chegar ao final de um evento e ver as caras das pessoas que estiveram presentes: sentir que nós proporcionámos uma experiência diferente, proporcionámos uma experiência que de alguma forma alegrou o quotidiano deles, fez com eles saíssem da rotina e se sentissem felizes naquele momento específico. Por exemplo, aqui na Casa Ardente temos acabado assim: nas últimas que fizemos, no DJ set, a Produções Incêndio sobe ao palco e festejamos…
MS: Em trajes menores…
AS: Em trajes menores, isso é a parte do Manuel, um gajo distrai-se e ele já está com a camisa aberta (risos). Mas lá está, eu acho que o facto de nós estarmos no palco a olhar para aquelas pessoas a divertir-se com algo que nós proporcionamos é, a mim, o que me dá mais prazer, sem dúvida.
MS: Eu acrescentaria aí também o processo da programação cultural, que muitas vezes é uma coisa bastante stressante, que nos rouba horas e horas de e-mails e telefonemas e de chatices e tudo mais, pronto, tudo o que envolve um processo de programação cultural, que às vezes as pessoas não têm bem noção, mas que é uma coisa morosa e que nem sempre dá os frutos que tu pretendias quando estavas a alinhavar um evento e quando estavas a fazer aquele alinhamento em específico e aqueles artistas e em específico. Aí, nesse processo, apesar de haver esse stress todo, também há – pelo menos para mim – uma espécie de sensação de comunidade de artistas, em que estás a conseguir juntar num cartaz coisas que são um bocadinho inesperadas – portanto há sempre o fator surpresa –, e, ao mesmo tempo, há a ideia de tu estares a conseguir dar a conhecer ao público de um artista outro artista que eles não iriam ver à partida e vice-versa. Logo aí acho que há uma fusão que é arrepiante e que joga muito com aquilo que o Xano disse de tu estares a ver o público contentar-se com aquilo que tu estás a proporcionar, não é? Acho que, no fundo, é tudo isso.
Acham que essa mistura de artistas de maior nome com artistas que estão agora a começar, ou com carreiras muito curtas, é algo que vos distingue?
MS: Pode não ser uma distinção do género “somos os únicos a fazer isto”, se calhar não é tanto por aí, mas, de certo modo, nós temos mais contacto com artistas da nossa geração, com amigos nossos e com coisas que vamos explorando, que podíamos ouvir há uns anos ou podemos estar a ouvir agora e que queremos ter num evento nosso. A inovação da programação cultural acho que passa muito por apostares também em coisas emergentes e em coisas que o pessoal não iria apostar só porque não esgota uma sala. Aí talvez haja uma ligeira distinção na nossa maneira de trabalhar: é que não pensamos “isto vai chamar muita gente” ou “isto vai chamar pouca gente”, mas tentamos simplesmente que as coisas possam colidir na experiência do espectador, portanto que não seja uma coisa que uma pessoa vai sair à noite, vai beber uns copos, vê um concerto e vai para casa. Aqui, nem que seja só a envolvência extra da exposição, há a envolvência extra da pessoa ver uma coisa que não está à espera.
JB: Eu não ia tanto por aí, porque imagina: a envolvência das pessoas depende muito do tipo de eventos que nós fazemos, da pluralidade… E é um bocado o que ele já disse de certa maneira, mas a parte da pluralidade, de termos várias artes dentro de eventos diferentes, de várias correntes artísticas, não só é a pluralidade de serem várias vertentes artísticas – e não quero rebaixar outros promotores culturais lisboetas –, mas acho que, não sendo pior nem melhor do que ninguém, fazemos uma coisa que me deixa bastante orgulhoso, tal como foi o evento do Zeca, que é juntar correntes artísticas – até pode ser dentro da música! –, mas completamente diferentes e é uma coisa que dá uma dinâmica completamente diferente. Pões rappers a atuar ao lado de gajos que tocam folk indie… Depois, dentro da própria vertente rap que nós pusemos nesse evento concreto do Zeca, houve duas dinâmicas – uma mais calma e se calhar a puxar mais para o Zeca, em que ele [Halloween] até tocou uma música que fez em homenagem ao Zeca Afonso, que é a “Cobradores de Impostos”, e depois outro tipo mais de roots, mais de raízes de hip-hop…
MS: De rua!
JB: De rua e isso aconteceu noutros eventos, não só nesse… Esse foi um que teve maior expressão, mas isso acontece, quero eu crer, desde o início, em eventos mais pequenos que faziam no início… Agora também nesta residência artística que vamos ter hoje – caso não saibam onde estamos a ter esta entrevista, estamos a tê-la na Casa Independente – e isso acontece noutros eventos, aconteceu no Buster Keaton. Sim, já havia coisas do Chaplin a ser musicadas, já havia no Bom, Mau e o Vilão, mas foi uma coisa que, naquele espaço, com aquelas características, não é que nunca tenha sido feito no mundo, mas tinha uma entidade própria.
MS: Acho que, pelo menos, no caso do Buster Keaton, a cena mais distintiva no meio disto tudo é a questão geracional, é a questão de tu estares a conseguir por a par putos de 18, 19, 20 anos com filmes que se calhar foram feitos na década da idade deles, estás a ver a disparidade? Acho que um bocado por aí é que podemos estar a marcar a diferença, acho que é apostando em coisas emergentes, como já disse.
Quais é que são os vossos objetivos mais imediatos, num futuro próximo?
AS: eu creio que os nossos objetivos mais imediatos passam por manter a Produções em ação em vários sítios em Lisboa, não ficarmos retidos só num espaço, como é a Casa Independente – fazemos a residência artística aqui, que nos dá um enorme prazer fazer e que tem resultado muito bem –, mas também conseguir atingir uma pluralidade de espaços, com eventos também mais diversificados: conseguir fazer um evento de stand up, conseguir fazer um evento de poesia, juntar outras vertentes, fazer também teatro, e conseguir uma conjunção mais completa do que é a programação da Produções Incêndio: tem de ser um conjunto mais completo que aquilo que já é… e mais vasto, quanto mais vasto melhor.
MS: Eu, sendo muito ambicioso, gostava muito de tentar levar a Produções Incêndio a um nível nacional, talvez não em 2018, mas até 2019. Apesar de tudo, é um processo que nós temos que avaliar muito bem, tendo em conta que não são cidades em que ainda estamos a operar e, quando eventualmente lá chegarmos, temos que analisar muito bem em que espaços é que gostávamos de fazer as coisas, em que moldes é que podemos fazê-las, quais é que são as condições, porque estamos sempre um bocadinho limitados, sendo que a nossa única fonte de rendimento é a bilheteira. A partir do momento em que um espaço nos come uma percentagem – como acontece algumas vezes – é perfeitamente normal que nós vamos estudar o caso e que tenhamos um bocadinho mais de cautela a fazer o evento num espaço que não conheçamos. E pronto, isto é a nossa dinâmica de sermos itinerantes em Lisboa, queremos ser itinerantes em Portugal. Outra coisa que gostava muito, se calhar não para um futuro tão próximo assim, mas tinha muito gosto em fazê-lo, era um festival da Produções Incêndio, uma coisa que poderia não ser de verão, podia não ser enquadrado na programação que têm já festivais estabelecidos, mas tentar uma coisa também com este intuito de ter várias vertentes artísticas em palco e dinamizar artistas emergentes em conjunção com artistas já estabelecidos, tentar que haja aí uma ponte saudável, em que tu percebas que, de facto, existe uma comunidade artística com vontade de se exprimir em palco e com vontade de atingir um público que penso que nós estamos a conseguir mais ou menos angariar. Esse é outro dos objetivos e, se calhar, este sim, para um futuro próximo, é perceber que estamos a estabilizar um público nosso e que estamos a conseguir alcançar pessoas que não vêm aos eventos só por ser o artista x ou y em palco, mas porque confiam na nossa programação.
Há alguém assim em especial que vocês gostassem de trazer?
AS: Isso é uma pergunta que tem de ser individualizada (risos). Quem eu gostava de trazer, a nível nacional… É assim, eu pessoalmente sou mais ligado à área do hip-hop e do rap, até porque tenho um grupo e também me vou lançar a solo dentro de algum tempo… Se eu tivesse de escolher alguém, adorava trazer os Dealema cá a Lisboa. Acho que era trazer um bocado do que eu cresci a ouvir à cidade-mãe da Produções Incêndio, e isso para mim era sem dúvida um objetivo que eu adorava cumprir.
MS: Eu gostava de tentar trabalhar com artistas internacionais. Não precisam de ser nomes muito grandes, não estou a pensar em Mac DeMarco ou uma coisa assim do género, mas quem sabe (risos)… Estou a pensar, por exemplo, nas Hinds e na editora madrilena delas… não me estou a lembrar do nome, mas também estão lá os Parrots, que já vieram cá algumas vezes a Lisboa. Também gostava de trabalhar, por exemplo… Se calhar são cartas já repetidas, pessoal que já veio e está no circuito, mas que de certo modo daria um intuito um bocadinho mais fascinante ao nosso evento conseguir estar a trazer pessoas que fazem parte também do alinhamento de grandes festivais e de alinhamentos que esgotam Coliseus e Pavilhões Atlânticos, etc. … Teríamos um certo orgulho em estar a trazer nomes assim grandes, mas não me estou a recordar assim de nenhum mesmo em concreto muito chamativo que me esteja agora a vir à mente. A nossa vizinha Espanha acho que seria uma coisa que é um intercâmbio, à partida, mais ou menos fácil… Também há muita coisa interessante também agora a emergir na Europa, tens um núcleo muito forte de artistas independentes na Escócia, por exemplo, na Holanda… Acho que Berlim já foi a capital europeia, agora está a ser Lisboa, não é? (risos) Mas Berlim também tem nomes bastante fortes, sobretudo na música eletrónica… Não sei, há coisas muito interessantes em todas as variantes da música e não só que eu gostaria muito de trazer. Por exemplo, realizadores conceituados como o Wim Wenders, que foi à Gulbenkian: adorava trazer um realizador dentro da mesma matriz, por exemplo David Lynch… Adorava ter uma talk promovida pela Produções Incêndio com o David Lynch, acho que era uma coisa fantástica!
JB: Tenho vários [artistas que gostava de trazer], dentro de vários géneros de música e dentro também dos panoramas nacional e internacional. Há uns assim mais comercializados: não porque a música seja comercial, mas porque estão muito mais comercializados, atingiram um estatuto mundial inegável… Há projetos, por exemplo, do Thom Yorke, não necessariamente os Radiohead, mas gostava de ter…
MS: Atoms for Peace, não é assim que se chama?
JB: O gajo com o Hans Zimmer?
MS: Não, aquele projeto que ele tinha que foi lançado mais ou menos ao mesmo tempo que o The King of Limbs, que tinha um álbum que era o AMOK, é os Atoms for Peace não é?
JB: Sim.
MS: E na área do teatro Jorge, o que é que gostavas de trazer?
JB: Na área do teatro há bastantes mais nomes que me vêm logo à cabeça, assim de repente. Obrigado, já agora, colega (risos)… Opá não é por ter feito peças lá, mas conheci pessoas, estive em contacto direto com o trabalho de atores e encenadores que comecei a admirar para caraças, inclusive a Rita Lello – isto são atores relacionados com A Barraca, que é aquele teatro em Santos –, mas também outros nomes dentro do panorama nacional. Tens o Tiago Rodrigues…
MS: Ah, ele é incrível!
JB: E todos os associados do Tiago Rodrigues com quem normalmente ele colabora, tipo Gonçalo Waddington, Nuno Lopes, Miguel Guilherme…
MS: Isabel Abreu…
JB: Carla Maciel…
MS: Internacional gostava muito de ter o Romeo Castellucci, acho que ele é assim… Tem sempre um conceito muito insane por trás das peças dele. Opá e tenho pena de não estar aqui o Tiago [Nunes], ele tem sempre assim umas ideias muito estranhas de nomes para trazer…
JB: Em último caso, Peter Brook…
MS: (risos) Peter Brook, uau, isso é jogar com os grandes! Mas sim, eu acho que o teatro às vezes é a arte que é mais descurada na programação cultural, de certo modo, pelo menos equiparando a todas as outras… E se calhar o cinema também. Por outros problemas, não tanto do alcance do público, mas do financiamento muitas vezes, embora eu ache que aquilo que é interessante e aquilo que é fixe de tu estares a comprometer-te com uma multidisciplinaridade é conseguires trazer coisas, mesmo sendo grandes ou não, não interessa, que o pessoal não esteja à espera e que consigas equiparar em palco com outras vertentes artísticas em áreas completamente diferentes, mas que, de certo modo, haja ali um ponto de ligação… Nem que seja só pelo conceito artístico! Sei lá, pelas frases até, por exemplo… Acho que há muita coisa no rap que é bastante teatral e isso era muito interessante, por exemplo, teres um evento de hip-hop que começava com uma peça de teatro assim bué agressiva, estás a ver? Coisas que à partida são completamente desligadas em termos de senso comum e das pessoas se lembrarem de fazê-lo, mas depois quando vais a um evento pensas “uau, isto até poderia funcionar”. E a ideia também é essa, equilibrar as vertentes.
AS: Sim, por exemplo, falando no caso do rap, há um caso específico. Por exemplo, o Samuel, o Sam the Kid, o Samuel Mira já atuou com Napoleão Mira, com o seu pai e este declamava poesia enquanto ele… Pronto, havia ali um mix das artes dos dois, do rap com a poesia, e lá está, o nosso objetivo é sempre tentar essa fusão! Já agora, gostava de acrescentar um nome que gostava de trazer aqui, porque não posso deixar de mencionar… É uma das minhas maiores inspirações como artista, é um nome que eu quero trazer aqui e acho que no dia em que isso acontecer eu me vou sentir realmente feliz: é o Kap, que é um rapper de Vila Nova de Gaia também, como eu. Ele lançou um álbum em 2015, final de 2015, que se chama Do Nada Nasce Tudo, que, para mim, foi um dos melhores álbuns desse ano e um dos melhores álbuns do rap em Portugal, ponto. É um artista completamente independente que produz, capta e masteriza tudo o que faz e é uma pessoa com quem me dá imenso gosto trabalhar a nível pessoal – é ele que masteriza os meus trabalhos – e somos amigos e, lá está, se eu conseguisse essa ligação também com a Produções Incêndio ia ser um dia muito feliz para mim, sem dúvida.
MS: Só para acrescentar uma coisinha rápida, a equipa é toda dividida por pessoal que trabalha áreas muito diferentes como já deves ter reparado e isso também nos ajuda muito a manter essa pluralidade na programação porque, pronto, apesar de todos terem tarefas definidas, por exemplo, “tu fazes o contacto com os artistas, tu não sei quê”, acaba por haver uma reunião que o ideal é ser semanal…
AS e JB: (risos)
MS: Há uma reunião periódica em que estabelecemos “‘bora fazer este evento e neste evento vamos tentar trazer x e y e não sei quê” e normalmente traz-se isso à mesa e tenta estabelecer-se uma ponte de contacto em que percebemos o que é que pode ser uma mais valia para a nossa programação, o que é pode acrescentar alguma coisa ao nosso público.