Sábado foi um daqueles Dias! Um dia de partilha e de descoberta! Um dia de despedidas e reencontros! Um dia Cheio!
Antes de rumar à Casa do Comum, era imperativo passar pela Chasing Rabbits, dar um abraço e agradecer ao Bruno e à Ana por tudo o que nos deram, aproveitar aquele ambiente, e beber as últimas gotas do bálsamo rejuvenescente que é o convívio com um considerável número de amantes de música. Se as coisas têm de acabar, que acabem todas assim… em festa!
Foi difícil dizer adeus… mas havia outra celebração à espera! A Kaüzpellafestz – homenagem a João Capela músico, artista, escritor, activista, membro da Associação Terapêutica do Ruído, das dUAS sEMIcOLCHEIAS iNVERTIDAS, dos Da Monstra e outros projetos mais ou menos obscuros. O Capela partiu prematuramente em fevereiro de 2014, não sem antes deixar uma forte marca nos que partilharam projetos, desafios, conversas e copos com ele.
Para celebrar o seu legado, a Associação Terapêutica do Ruído convocou um conjunto de bandas e artistas numa maratona de música, alma e liberdade.
A dança da Chasing Rabbits estava tão boa que o tempo voou, e cheguei à Casa do Comum um minuto antes do início da atuação de Peter Wood – e perdendo assim, infelizmente, o concerto do Gil Dionísio.
Como anuncia o disco que lançou em 2023, Peter Wood inventou o Folklore do Cacém, fundido a sua técnica magistral de finger picking fortemente influenciada pelos Blues e pelo Folk dos Cacéns do Sul dos Estados Unidos, com o espírito irrequieto e o sentido de humor que parece emanar das catenárias da Linha de Sintra. Ao vivo, esta fusão torna-se ainda mais cativante que no disco e é praticamente impossível não sentir o coração e o sorriso a abrirem-se à medida que os dedos de Peter Wood passeiam pelas cordas da guitarra.
Confesso que só tinha ouvido a Joana Guerra no disco Flowers dos Asimov and the Hidden Circus. Falha gigante da minha parte que, aliás, já comecei a corrigir com audições sucessivas dos temas disponíveis no spotify enquanto editava as fotos do evento. No entanto, e de acordo com o que retirei das conversas pós concerto, tive o privilégio de assistir a uma atuação única … uma longa e inebriante peça de improvisação! Que momento fantástico!
Seguiu-se o diálogo piano-voz em dois actos de Pedro e Diana. No primeiro acto, a dupla mostrou a sua veia interventiva temperada com uma bela dose de bom humor através de dois temas do seu vasto catálogo. A peça principal, porém, centrou-se na revisitação de Filhos do Diabo (a revolta como resposta) – um poema de João Capela que o duo compôs para o primeiro volume de uma série de compilações que a ATR editou em sua homenagem.
Quando percebi que o concerto das dUAS sEMIcOLCHEIAS iNVERTIDAS seria na mesma sala que os anteriores (a sala de cinema da Casa do Comum), estranhei um pouco … “aquele vendaval e a malta sentada? Farão um set mais leve?” … Qual quê! Não foi um vendaval, foi um tufão sónico que se passou ali … a mistura perfeita de free-jazz com noise-rock, pós-rock, pós-punk e o mais que conseguirem imaginar! Um orgasmo tântrico sobre a forma de música!
Os Da Monstra fecharam as atuações na Sala de Cinema recorrendo a uma série de companheiros para ler/cantar um conjunto de poemas de João Capela, com o fundo sónico do noise experimental do trio. Foi, no mínimo, um momento de pujança suprema … tanto ao nível da música, como, e talvez principalmente, da partilha emocional … da celebração de uma vida demasiado curta, mas plena e que, perdoem-me o chavão, persiste em inspirar todos os que passaram pela Casa do Comum.