Os TV Rural já aí andam há uns anos, mas foi com o EP Barba, do ano passado, que conseguiram furar parte do cerco mediático e fazer-se notar com mais intensidade. E em boa hora o fizeram, como o Altamont tem testemunhado nos últimos anos de percurso destes cinco rapazes de São Domingos de Rana, às portas de Lisboa.
E se esse impulso de Barba soube a pouco, pelo sabor das canções que pedia mais que as seis músicas do EP, este regresso faz-se de forma decidida, em quantidade, assertividade, e pujança.
Em entrevista recente ao Altamont, o conjunto explica o título de Sujo, o novo registo, com uma necessidade de dar aos temas uma maior energia, um foco mais directo, por contraposição a algo mais pensado e mais composto do que o feito no registo anterior. E aqui, há boas notícias…e notícias ainda melhores.
As boas notícias são que, de facto, a maioria das canções (porque é de canções, e de primeira água, que falamos) traz um ritmo mais forte, mais pulsar, que nos faz apetecer começar a mexer. Prometem bons resultados ao vivo, algo que podemos confirmar a 8 de Maio, sexta-feira, no lisboeta Musicbox.
As melhores notícias são que o conjunto não faz jus ao nome de Sujo. Apesar da preocupação com uma composição mais directa, os TV Rural são já uma banda madura, e a recuperação de algum espírito adolescente nunca chega a convencer realmente, nunca chega a descambar para uma desbunda despreocupada e vibrante. É uma banda relativamente cerebral, esta, e o talento de composição e o bom gosto acabam sempre por imperar. Daí que Sujo não tenha distorção a rodos, músicas de três acordes e aquela salutar estupidez que associamos à adolescência. O que se perde em espontaneidade ganha-se em robustez das músicas, e no seu prazo de validade.
Ainda assim, os primeiros temas do disco fazem questão de ir direito ao assunto, com “Bailarina” e “Tiro no Pé” a puxarem pela guitarra e pela voz. De qualquer forma, a sujidade e a explosão pressentem-se na urgência do ritmo, mas nunca chegam a impedir-nos de ouvir, limpidamente cada pormenor, cada instrumento. O que não serve a tal sujidade em todo o seu esplendor (isto é um elogio à produção) mas deixa no ar a promessa de decibéis mais altos nos concertos.
“Pedra é Pedra” traz algum peso mas um ritmo mais pausado, quase monolítico. É o single do disco, embora aqui seja discutível (é sempre) a escolha não ter recaído por um dos vários temas mais “dançantes” do álbum. “Caga Nisso” traz-nos mais rock, e é um bom exemplo de uma das imagens de marca da banda, esta capacidade de, num mesmo tema, alternar cenários e ritmos, com mestria.
“Estava-se Mesmo a Ver”, esta sim, traz aquele gosto do indie-rock adolescente, levando-nos aos Dinosaur Jr e ao refrão libertador que cheira a Verão. Segue-se “Maratona”, para nós um dos destaques do disco, uma máquina rítmica feita de urgência e negrume. Vai de uma espécie de kraut ao rock genuíno, em mais uma demonstração de qualidade de todos os instrumentistas, com espaço para cada um brilhar, mas sempre ao serviço da música e não em solos gratuitos.
O ritmo baixa com os dois temas seguintes, “Não Sou Uma Flor no Teu Jardim” e “Ligeiro Ciúme”, dando espaço à respiração das letras, com novo arranque com “Se te Faz Tremer”, que até começa com aquele promissor e muito rock n’roll “um, dois, um dois três!” e depois se faz à estrada. É provavelmente o tema mais rock do disco, com direito a solos de guitarra e tudo.
“Lamento” traz-nos mais uma pérola de letra, neste caso o lamento é para a vida trabalho-casa-trabalho. O ritmo é lento, permitindo-nos também saborear os vários pormenores instrumentais escondidos aqui e ali, em background.
“Formiga e Cigarra” é uma delícia, um quase-funk feito de fluidez cool com toques jazzy e um minucioso trabalho de bateria discreta mas sempre certeira. Uma boa ilustração de como uma música pop/rock pode fugir, com imaginação, à ausência aparente de uma estrutura básica e, ainda assim, funcionar e bem. Mestria e maturidade, lá está.
“Círculo”, a penúltima música, vai também oscilando entre registos, com um riff maquinal que vai e volta servindo de trave-mestra deste círculo obsessivo.
Sujo termina com “Um Febrão que Custa a Curar”, um dos temas mais bonitos do disco, levando-nos a casa no fim desta viagem. Um cheirinho a anos 90, uma pseudo-balada quase grunge, mas com uma delicadeza que tudo eleva.
Como podem inferir da longa descrição tema-a-tema, muita coisa cabe no caldeirão dos TV Rural. Ecos de grandes como Jorge Palma e Ornatos Violeta (e Nuno Prata), indie-rock dos anos 90, cheiro a cidade e a noite numa rua vazia. E, acima de tudo, boas letras, boas ideias e uma assinalável mestria instrumental.
O rock português está vivo. Não tenhamos medo de nos sujar.