UP é o 11º trabalho de uma banda que quer sobreviver ao choque de ter perdido o seu baterista fundador e às transformações sonoras dos finais dos anos 90. Um disco que, paradoxalmente ao seu nome, é dos trabalhos mais sombrios e melancólicos dos R.E.M.
Lembro-me perfeitamente desse sábado de manhã, eu ainda estava de pijama e o meu Pai chegava a casa com as compras da semana. Corri escada abaixo, porque em semanas boas era costume encontrar música nova no meio das compras: e golo! No meio dos sacos estava UP em cd, o mais fresquinho dos R.E.M. e o primeiro da minha colecção.
Adolescente, das coisas que mais gostava de fazer lá em casa era sentar-me no chão da sala, mesmo em frente à aparelhagem do meu Pai – daquelas de 5 andares e onde eu gastava horas a passar cds para cassetes também – e descobrir álbums inteiros de auscultadores nas orelhas. O ritual incluía vasculhar os recantos da caixa do cd em questão e dar pulinhos de felicidade, sempre que o encarte se fazia acompanhar das letras de todas as canções. UP tinha tudo isso e eu ganhei todo esse tempo com ele.
O 11º álbum dos R.E.M. revelou-se um disco complicado. Complicado pelo seu conceito, o trabalho mais comprido do grupo era também o menos coeso de todos. Complicado para aqueles que consideram que os R.E.M. sem Bill Berry na bateria – que abandonou o grupo no momento da concepção de UP – já não podiam ser os R.E.M. dos bons velhos tempos. Dos meus auscultadores, tudo continuava a soar a Michael Stipe e companhia, mas à medida que avançava nas faixas, era como se UP se tratasse de um paradoxo. Afinal, este era o trabalho mais sombrio da banda, com melodias dominadas pelas teclas, percussões quase silenciadas e guitarras abafadas pela melancolia das letras de Stipe.
Parte desta transformação – já iniciada em New Adventures in Hi-Fi (1996) – é igualmente marcada pela participação de Nigel Godrich, o produtor dos Radiohead. Dividindo tarefas com Pat McCarthy, é o britânico que ajuda na criação de todo aquele cenário inofensivo e de experimentação de UP. Enquanto as obscuras mas sedutoras “Airportman”, “Hope” e “The Apologist” apontam para arranjos mais electrónicos a que não estávamos habituados, “Lotus” e “Daysleeper” são as canções que mais nos fazem recuar aos tempos áureos dos R.E.M., mas não de forma completa. E no meio de tudo isto “At My Most Beautiful”, a mais romântica de todas elas, odiada por uns e amada por outros, na qual é possível imaginarmos Michael Stipe a acompanhar Pet Sounds ao lado de Brian Eno em 1966.
Talvez seja culpa dos auscultadores do meu pai e de toda a magia que envolvia o meu ritual de descobrir discos lá em casa. Mas a verdade é que consegui encontrar em UP um álbum repleto de canções que incomodam, por serem fáceis de admirar mas difíceis de amar. No fundo, este é o resultado de uma banda que está a tentar sobreviver às transformações sonoras dos finais dos anos 90, ao mesmo tempo que experimentam e se reinventam do choque que foi perder um dos seus fundadores. É o típico álbum de adaptação e, longe de ser um ponto alto das suas carreiras – coisa que já sabiam em antemão – UP consegue ser um dos melhores trabalhos de Stipe enquanto letrista.