Nenhum dos fãs que se zangaram com os Pearl Jam no virar do século (algures entre Binaural e Riot Act) vai ter particular prazer com a novidade do quinteto de Seattle. Os devotos vão dizer que o disco é uma maravilha e um grande regresso. A verdade está algures a meio caminho – há boas canções, a voz de Vedder, mas falta muito para a epifania.
Não vale a pena dissecar no detalhe o que se passou entre 1991 e 1998: gostando-se mais ou menos de um disco ou de outro, os Pearl Jam tatuaram o seu lugar na história da música rock com cinco discos de requinte, acelerados e intempestivos mas também delicados quando necessário. Binaural, no ano 2000, é o disco de fronteira – de década, século, milénio, de relevância para os Pearl Jam. Nós crescemos, a juventude ficou para trás, talvez fosse impossível continuarmos a ser para sempre admiradores absolutos – eles seguiram a sua vida também e as dores de crescimento plasmadas em hinos rock transformaram-se numa serena contemplação de um estatuto inimaginável no começo dos anos 1990.
Nem todos abandonaram o barco, contudo. Os concertos estão permanentemente cheios, as passagens por Portugal são regulares triunfos, há quem genuinamente goste dos últimos discos dos Pearl Jam. Entre 2006 e o novo Gigaton o grupo entregou ao mercado três discos absolutamente esquecíveis, dizemos nós: um homónimo, Backspacer e Lightning Bolt.
Primeiro as boas notícias: Gigaton é o melhor disco dos Pearl Jam desde Riot Act, de 2002. Agora as notícias menos boas: Gigaton não é um grande disco, muito longe disso. Por partes: as canções mais rock e aceleradas são quase todas mal-amanhadas, completamente indistintas e sem pinta de graça. “Superblood Wolfmoon” talvez seja o melhor exemplo – é isto que os Pearl Jam nos apresentam como single em 2020, e assim torna-se difícil dar uma real oportunidade a Gigaton.
Essa abertura ao disco parece boicotada a começo (o outro single já apresentado, “Dance of the Clairvoyants”, era também desinspiradíssimo), mas, surpresa!, há música de valor por estes lados. Toda ela a mais lenta e contida, é certo, mas esse lado dos Pearl Jam esteve sempre presente – relembremos “Release”, “Daughter”, tantas outras mais. “Alright” e “Seven O’Clock”, a meio do disco, são um farol de bom gosto – a seguir entra “Never Destination”, talvez a melhor faixa elétrica do disco, e a coisa compõe-se.
Três canções meio banais depois, e eis-nos chegados às duas últimas de Gigaton: “Retrograde” e “River Cross” salvam o disco da mediania e transportam-no para um patamar acima. O primeiro parte da viola acústica, cruza teclas, um bom refrão e os dois melhores minutos do disco, os finais do tema – ouve-se a voz de Vedder a fugir, perde-se o ritmo, o balanço, vence a catarse por entre o aparente caos dos instrumentos. “River Cross”, depois, fecha o disco num ambiente quase sacro: outra vez a voz do cantor no centro da canção, outra vez um momento bem acima dos demais.
Os Pearl Jam são, hoje, um grande grupo de rock. Uma máquina bem oleada que tenta não viver apenas do passado e da juventude sónica. Os discos recentes transportaram a banda para a irrelevância discográfica e Gigaton não será o passo de génio que os vai devolver às tabelas de melhores discos do ano. Não, os Pearl Jam já não são os mesmos daquela mão cheia de clássicos dos anos 1990. Nós também não. Algures no meio disto, está uma banda a seguir o seu caminho, fãs que deixaram de o ser, devotos que ainda carregam a cruz. E algumas boas canções e ainda a voz de Eddie Vedder, aquele amigo distante que sabemos andar sempre por aí mesmo quando fomos à nossa vida.