Tem ritmo, tem classe, vicia, é caseiro, é perfeito na sua imperfeição, é Nourished by Time.
Marcus Browne, pelo pseudónimo Nourished by Time, é o médico de que a música precisa. Os tempos que correm, infetados de herméticos conceitos e álbuns de música “séria”, sugaram-nos quase por completo a necessidade de dançar. Isto é, de arrasar na pista.
Já não há vacina do tétano que cure as nossas ferrugentas ancas. Somos todos ferro-velho ambulante e, infelizmente, para além de Nourished By Time, há muito pouca gente preocupada com a nossa saúde “ancal”. Os Jockstrap, e o seu mais recente álbum, I Love You Jennifer B, andam pelo mundo fora com uma desfibrilhadora na mão, ressuscitando de terra em terra ancas que se achavam irremediavelmente inoperacionais. Adicionam-se à equipa os imberbes Deadletter, equipados de um single do ano passado, mas ainda tocado com alguma abundância, “Binge!” – que, já agora, pede um LP com urgência; os Yard Act, também detidos de um belíssimo novo single, “The Trench Coat Museum”; o condutor da ambulância, Fred again…, claro. E, finalmente, com as injeções de morfina, Erotic Probiotic 2.
Marcus Browne engenhou um álbum leve e atenuante para ajudar na digestão de produtos musicais pesadamente complexos, e servidos hoje com uma fartura sobre a qual já estou a ficar um bocado farto. Trata-se aqui, como vos prometo, de um novo pretexto para voltar a pendurar a bola de espelhos escondida nos confins do sótão, atrás da árvore de Natal de 2008. Mas, uma bola um tanto baça e com tantos remendos e retalhos que já só brilha metade. Pois, Marcus traz um Disco imperfeito e isento da camada cintilante que revestia o estilo durante as décadas de 70 e 80. Cada um dos temas parece produto de improvisação na hora: as imperfeições são recorrentes, há instrumentos feéricos a precisar de ser postos no lugar, fica-se com a sensação de que os arranjos permaneceram imaculados desde o primeiro esboço, e assim é que é bom. A sonoridade fora injetada de uma carregada dose de realidade, muito pouco usual na música de hoje, cada vez mais kitsch. Esta é a prova de que é bastante possível produzir um excelente álbum sem precisar de o maquilhar dos pés à cabeça.
Num primeiro encontro, é possível que assuste. Alerto que o ouvinte vai sentir-se desnorteado e irá estranhar os sons que o rodeiam, como se estivesse num aeroporto estrangeiro. Mas, isso tudo passará. Depois de estranhar, irá rapidamente começar a entranhar. O número de instrumentos em ação num qualquer tema pode parecer desmedido e incontável, dado que foram todos triturados num caótico batido e servidos num caos controlado, digamos, tão delicioso quanto as saladas de fruta dos casamentos. A confusa seleção de elementos funde-se num (im)perfeito equilíbrio, fornecendo ao ouvinte sabores inúmeros numa só pratada e levando a dançabilidade a extremos apenas testemunhado nalguns álbuns de Stevie Wonder e de Happy Mondays.
Para ajudar a empurrar gargantas de maior profundidade e maior profundidade de espírito, – receosas em deixar os seus preciosos neurónios ao apodrecimento por causa de uma tão “vazia” atividade quanto dançar – eis as letras, para manter a massa cinzenta entretida enquanto a abanam desvairadamente. A lírica deste projeto acompanha a corrente livre e sem compromisso do instrumental. As letras são inteligentíssimas, mesmo quando tratam lugares-comuns. Um excelente exemplo disso mesmo, “The Fields”, certamente um ponto alto do álbum, impressiona na forma subtil e engenhosa com que aborda o questionamento da religião. De um modo geral, é de se apontar a perspicácia do estilo “rap cantado” de Marcus, que joga muito bem com o pano de fundo rítmico dos instrumentos e faz com que este receba uma cor diferente ao introduzir as suas pertinentes linhas vocais. A verdade é que, a riqueza lírica de Marcus Browne me foi ofuscada pela enorme envolvência da própria música. Com efeito, atento-vos, antecipadamente, para não induzirem ao mesmo erro. Mesmo que esteja convicto de que as primeiras três vezes na companhia do álbum sejam de pura e simples contemplação instrumental.
O álbum é todo ele muito bom. Por isso, apontar o que, na minha opinião, considero serem os pontos altos ou baixos não vai de forma alguma melhorar as vossas experiências auditivas, e até poderá conduzir ao efeito contrário. Erotic Probiotic 2 é uma cordilheira que cabe ao ouvinte decidir onde localizar os picos e os vales.
Pois bem, aqui vos prescrevo o remédio para os vossos tristonhos e enfezados pés metronómicos. Tomem-no todo os dias, antes, depois e durante as refeições. No duche, ao fazer a cama e na fila de espera do Lidl. Podem ter as overdoses todas que quiserem que só faz bem.