“Quem é William Onyeabor?” foi, ao longo dos anos, uma questão repetida tão frequentemente por melómanos curiosos que se transformou no nome de um disco que pretendia responder à tal pergunta – uma compilação lançada há cinco anos pela editora Luaka Bop. No entanto, um ano depois da morte do artista, continuamos na mesma.
Chamar a William Onyeabor, músico, compositor e homem de negócios nascido na Nigéria e viajado pelo mundo um “ilustre desconhecido” pode ser enganador. De facto, no seu país natal, Onyeabor é tudo menos desconhecido, se bem que de ilustre tem tudo: depois de lançar nove discos pioneiros que trouxeram um novo sabor sintetizado ao funk africano, evaporou-se da vida pública e instalou a confusão generalizada nos fãs que tinha vindo a agregar na sua terra, e as questões multiplicavam-se: onde está William Onyeabor? O que anda a fazer? Voltará a fazer música? Está vivo? E quem era, de facto, o homem por trás daquele hipnotizante afrobeat?
Foi a 26 de março de 1946 que William Onyeabor nasceu, no seio de uma família com poucas posses, mas, como ditam as histórias mais felizes do self-made man, fez-se rico o suficiente para abandonar a Nigéria e fazer-se a um mundo novo: diz-se ter estudado cinema na União Soviética e produção musical na Europa. As suas viagens abriram assim gavetas repletas de novas ferramentas para fazer dançar, nomeadamente, graças à democratização do sintetizador, mutante atraente do já cansativo pianinho, que já decorria desde meados da década de sessenta graças à invenção dos sistemas modulares por Moog e Deutsch.
A ferver em ideias, regressou à Nigéria no início dos anos setenta, fundando a sua própria companhia discográfica independentemente – a Wilfilm Records -, construindo um estúdio de raiz e contratando uma banda. No entanto, mesmo com toda esta pressa de lançar para o mundo a pólvora que descobrira nas suas explorações inter-continentais, o primeiro disco, Crashes In Love, só chegou em 1977. É estrondoso. A meia-hora de duração converte-se em cinco minutos graças à aura radiante de faixas como “Something You’ll Never Forget” ou “Heaven & Hell”. Mas em Crashes In Love, Onyeabor apenas namorisca timidamente com o sintetizador, que nos vai trazendo alguma novidade pontual por debaixo dos cobertores do instrumental. No ano seguinte, Atomic Bomb viria a sublinhar a tinta o seu estatuto de mito nacional. Tal como o nome previra, o disco caiu como uma bomba nas lojas de discos nigerianas: nunca se ouvira nada assim dentro do enorme país africano. Aqui, os sintetizadores assumem o papel principal e é sob eles que brilham os holofotes, principalmente em temas como a faixa título, que se vai agigantando em jeito de Adamastor dançante ao longo dos seus oito minutos de duração.
Seguiram-se mais sete lançamentos, uma biblioteca de tesouros musicais minuciosamente erguidos sob uma manta colorida de texturas quentes que unem as teclas do mundo moderno com as vozes de Onyeabor e o seu habitual coro feminino, que cantam temas intemporais como a guerra e a injustiça. E, de repente, em 1985, pouco depois do lançamento de Anything You Sow, Onyeabor desapareceu como se nunca tivesse existido e tivesse sido apenas um sonho febril do qual o mundo acordara.
Falar em desaparecimentos não é nenhum eufemismo: tal como avião que cruza o triângulo das Bermudas, nem mais um pio se ouviu de Onyeabor: o jornalista nigeriano Uchenna Ikonne que o diga, ele que, como muitos outros, gastou anos de vida e de profissão na pista do músico, sem grande sucesso. Confessou a sua confusão ao The Guardian em 2013: “simplesmente, não fazia sentido. Como é que alguém fez todas estas coisas e não existe qualquer informação disponível?”
Começaram a surgir os inevitáveis boatos. Uma vida entregue a Deus como um novo-cristão que lhe fez nunca mais querer proferir uma palavra sobre o seu passado pecaminoso de artista foi um deles. A aquisição de uma equipa de futebol local foi outro. Já no nosso século, Eric Welles-Nyström, fundador da editora de world music Luaka Bop, tentou a sua sorte e teve resultados revolucionários: conseguiu, de facto, encontrar Onyeabor, já na casa dos sessenta, na sua cidade natal, Enugu, onde ganhara a alcunha de “O Chefe”. Recorda-o como um homem de negócios em boa forma, abastado, que vivia numa exuberante mansão branca de três assoalhadas, profundamente religioso. Mas, mesmo em carne e osso, eternamente misterioso e completamente entregue a uma nova personagem que pretendia deixar o homem das canções no passado.
Em 2013, Welles-Nyström teve uma ideia louca: compilar os melhores trabalhos de Onyeabor, muitas vezes impossíveis de encontrar ou absurdamente dispendiosos, num único disco. Who Is William Onyeabor foi lançado nesse mesmo ano. Em 2014, o documentário “Fantastic Man” passou 31 minutos a tentar caçar Onyeabor para uma entrevista, falhando desastrosamente. Foi também um ano que juntou David Byrne, Damon Albarn, Dev Hynes (ou Blood Orange), Alexis Taylor (dos Hot Chip) e muitos outros enquanto substitutos de excelência para um homem que se recusava a cantar as suas músicas ao vivo. Onyeabor havia atingido o estatuto de Deus sem ter mexido uma única palha. Provavelmente assistiu a tudo da sua mansão branca de três assoalhadas com o mesmo sorriso maroto que repousa entre as bochechas gordas nos retratos que nos restaram para o conhecer. Deve ser bom.
William Onyeabor morreu durante o sono a 16 de janeiro de 2017. Tinha 70 anos e deixa quatro filhos. Deixa também um legado imensurável na história da música nigeriana e não só, graças à sua loucura desenfreada por detrás do explosivo sintetizador, assim como a admiração declarada de um vasto leque de músicos todos eles imensamente influentes, sendo talvez o que mais destaque pede – e também o seu fã mais acérrimo – David Byrne. Quando Welles- Nyström imaginou uma compilação do seu trabalho deu-lhe originalmente o título de This Is William Onyeabor: rapidamente, e astutamente também, alterou-o de uma afirmação para uma interrogação – Who Is William Onyeabor. Ainda não sabemos e provavelmente o futuro desenrolar-se-à sem grandes pistas. E, lá em cima, Onyeabor continua a sorrir como riem os vilões pelos quais secretamente torcemos quando o plano corre tal e qual como planeado.