O disco de hoje é The Cult of Ray, de Frank Black.
Frank Black, ou Black Francis, como quiserem (o seu nome verdadeiro até é Charles), é, toda a gente sabe, o vocalista e principal compositor dos Pixies.
Para mim, como para muita gente da minha geração, os Pixies bateram demasiado tarde, para muita malta já depois de eles acabarem a sua primeira encarnação. Mas foi bem a tempo de deixar uma marca que, provavelmente, não desaparecerá durante as nossas vidas de amantes de música.
Mas esta não é uma mensagem sobre os Pixies. É uma tentativa de corrigir uma das grandes injustiças da música contemporânea. É que, mesmo para os fãs de Pixies, Frank Black a solo não existe. É mau ou, na melhor das hipóteses, é irrelevante. E isso é errado. Como se o tipo que escreveu todas as grandes músicas dos Pixies, de repente, deixasse de perceber alguma coisa de música. As if…
Foi o Ricardo Romano quem me mostrou o Frank Black, depois de já ter sido ele a mostrar-me os Pixies. Em ambos os casos, estava céptico, mas rapidamente a coisa mudou. Com Black, ele mostrou-me o seu primeiro disco a solo, homónimo, de 1993, menos de dois anos depois de os Pixies terem editado o derradeiro Trompe le Monde.
A voz continuava lá. Aquela voz de eterno adolescente, entre o romântico freak e o rebelde alucinado. E isto vindo de um monstro de 100 kilos, gordo e careca, sem pinta absolutamente nenhuma.
E para além da voz, continuava lá o rock. O bom e velho rock.
Ao longo dos discos seguintes, perto de 15, foi mudando e apurando o som, que no início era relativamente semelhante ao que fizera antes. Em termos muito gerais, e fazendo a inevitável comparação com os Pixies, teremos de dizer que estes eram um som mais urbano, se por urbano entendermos uma cave rock num qualquer outro planeta. A solo, Black tem uma estrutura mais clássica de canção, e mais ligada às raízes do rock. Teve uma fase meio country, teve sim senhor, e foi bem boa. Teve outra mais pop, igualmente boa. Mas a sua música teve sempre duas coisas que estiveram sempre lá, misturadas com as outras coisas: o rock, sempre, e a grande capacidade para fazer grandes canções, feitas de adrenalina e de uma grande capacidade aditiva.
Escolhi The Cult of Ray como podia ter escolhido o grande Pistolero, Dog ín the Sand ou Teenager of the Ear. Podem agarrar num disco qualquer dele e só muito dificilmente não acertam com um grande disco.
Vi-o ao vivo, com a sua banda The Catholics, há uma data de anos, na Aula Magna. Fui arrastado pelo Romano, até porque na altura não conhecia bem o seu trabalho a solo. Numa sala bem composta, o público foi bombardeado com um grande concerto, com três guitarras agressivas em palco, e nenhum baixo. A sala foi reagindo entre o entusiasmo e o espanto, para só ir ao rubro quando a banda tocou duas ou três músicas dos Pixies, nomeadamente “Mr. Grieves”, que ia levando a casa abaixo.
Talvez como vingança por tudo querer ouvir os Pixies e não a sua nova banda, a verdade é que passei uma semana a ouvir mal, com um zumbido resistente nos ouvidos.
E ele é que tinha razão, e só vim a perceber mais tarde.
Deixo-vos uma das melhores músicas de The Cult of Ray, “I Don’t Want to Hurt You”, curiosamente uma das músicas mais lentas e “baladeiras” que alguma vez fez. Não é muito representativa do seu estilo, mas é representativa do seu talento.
Dá-lhe, Charles.