Já tínhamos visto este filme em 2013 – começa o ano, fresquinho, folha branca, e toca a preenchê-lo logo nos primeiros dias de Janeiro com estrondo. Claramente o senhor Bowie está a marimbar-se para o oportunístico lançamento “mesmo a tempo do Natal e das listas de tops do ano”, colocando em dificuldades os que, de curta memória, já não se lembrarão de ? (Blackstar) lá para Dezembro. Ou será que…?
Com estrondo escrevi ali em cima, mas isso é algo que já não surpreende em Bowie. Tal como Lázaro (título de uma das músicas do álbum), já por várias vezes ao longo de sua carreira Bowie morreu e ressuscitou algo completamente diferente, e portanto esta é apenas mais uma dessas reencarnações. Para sermos honestos, o verdadeiro milagre da ressurreição foi em 2013, mas agora em 2016 conseguiu encontrar um rumo diferente, quer em termos de modus operandi na preparação do disco, quer no resultado final obtido. Já longe vai o tempo em que Bowie era quem abria novos caminhos musicais, mas nada mais honesto e maturo que perceber isso, é ir ouvir quem o faz agora e incorporar esse conhecimento no seu trabalho. Neste caso específico, Bowie assumiu ter tido em conta influências de Kendrick Lamar, Boards of Canada, Death Grips e por fim James Murphy (que participa directamente no álbum). Qualquer uma das citadas acima são claramente desbravadoras de caminho, e foi isso que Bowie procurou, fugindo totalmente à sua costela rock n’roll. Para tal foi também buscar um dos nomes mais interessantes do jazz contemporâneo nova-iorquino, Donny McCaslin, que trouxe o seu quarteto para o guiarem nesta viagem.
E o resultado perguntam vocês, pois bem, o resultado, volto a repetir, é estrondoso. À boa maneira jazz começa logo com uma música extensa, “Blackstar” tem dez minutos de mutações dentro de si, solos de saxofone (que curiosamente foi o primeiro instrumento que Bowie tocou) e vários pequenos recantos onde facilmente nos perdemos. “‘Tis a Pity She was a Whore” só pelo nome mereceria destaque, mas a forma como agarra logo com a conjugação de bateria e saxofone torna-a ainda mais necessário esse destaque. Bateria mantém-se ao longo, enquanto que saxofone vai deambulando às voltas com a sempre excelente voz de Bowie e é sem dúvida a música mais enérgica do álbum. “Lazarus” é para ser vista e ouvida através do vídeo mais abaixo, conjugando som com a estranheza das imagens. Mais para o fim, “Dollar Days” e “I can’t give everything away”, é mais evidente o calor da voz de Bowie, intacta. Enfim, cada música tem a sua especificidade, o seu contorno especial que merece uma atenta audição dos mesmos.
Interessante saber se Bowie terá escutado o disco de Dylan Howe de versão jazz da sua etapa em Berlim (enorme disco) e se viu aí a luz para o seu futuro. Certo é que, do alto dos seus (feitos hoje) 69 anos, continua a deslumbrar-nos, e numa altura em que estamos a um ano de se comemorar os 50 anos do lançamento do seu primeiro álbum, David Bowie, e 25 discos depois há já poucas palavras para descrever este fenómeno. Mas imortal será seguramente uma das mais acertadas.