O ego precede o homem, parece. Segundo Kanye West, não há interpretação que preconize a condição humana e não contemple narcisismo de tal ordem. Não é uma questão de amor-próprio, porquanto termo esse é eufemismo indigno de Narciso egocêntrico personificado pelo rapper. Aquela persona, porém, até que ponto será uma representação, uma agregação artística da perspectiva westiana do valor humano na pós-modernidade? Até que ponto será uma extensão ou um escape da personalidade de Kanye enquanto agente lustroso do seu entendimento perante os conformes sociais contemporâneos, basilarmente embutidos no egoísmo e no autocentrismo? A arte de West poderá ser a sua percepção da ambiência humana; West pode ser um mártir pela sua arte.
“I Am a God” sumariza fluida e sofisticadamente aquela doutrina. A busca por opulência, o gozo de ostentação, a prepotência perante o outro são motivações profusas que vão crepitando pela faixa. O enlevo dos baixos oferece-lhes intensidade; a tensão dos sintetizadores interpõe-se-lhes em ataques breves de desassossego: Yeezus é hip-hop industrial, e esta faixa segue-lhe o rasto. Kanye subjuga a composição a seu bel-prazer, toma as rédeas desta atmosfera aflitivamente massiva num minimalismo elíptico. Kanye é autoridade. Kanye controla-a. Porém, não controla os berros de desespero, porventura os berros de quem reconhece que se perdeu para a ganância, que se olha com pendor panegírico, que se entende enquanto dádiva divina. Porventura um, porventura todos. Porventura é “I am a god / Even though I’m a man of God” uma acusação universalista de West. Ao vestir esse narcisismo, talvez assuma que quer vesti-lo, inconscientemente ou não, pelo bem da sua arte ou não. Porém, ao assumi-lo, talvez advirta que pode não ser o único a pô-lo às costas.