Dizer que Morning Phase é um disco muito próximo de Sea Change parece uma coisa tão óbvia, que nem deveria ter escrito a frase que acabou de ler. São discos gémeos, num certo sentido. Talvez gémeos falsos, mas já lá iremos. No entanto, sendo tudo isso verdade, é precária e redutora a ideia que mais se vê exposta em tudo o que se tem escrito sobre o novíssimo longa duração de Beck. Para aqueles que estavam à espera que Beck Hansen regressasse mostrando uma vertente mais crua, mais lo-fi, mais indie, então é bom continuarem esperando. Para os outros, que como eu gostaram tanto da elegância sóbria do disco de 2002, então chegou o tempo de nos mostrarmos satisfeitos, uma vez que o músico americano há muito que não nos oferecia um trabalho digno desse quilate. De Beck espero sempre tudo, e do muito que já fez e me agradou (sobretudo One Foot In The Grave, Mellow Gold, Odelay, Mutations, Midnite Vultures e Sea Change) só tenho o meu agradecimento para lhe dar. Agora, que finalmente me chegou aos ouvidos o tão esperado Morning Phase, tenho também umas coisas a dizer-lhe. Vamos a isso, então.
Quando, no parágrafo anterior, me referia às semelhanças entre este novo disco e o de 2002, faltou acrescentar, propositadamente, que nessa aproximação há, mesmo assim, muitas diferenças. Sobretudo no tom geral, mais cinzento agora, menos crepuscular no anterior. Ou, dizendo melhor: em Morning Phase há uma clara aposta numa certa monotonia composicional (alguns temas parecem demasiadamente semelhantes, e por isso pouco autónomos), nota-se um mesmo tipo de permanência estética nos arranjos, nas cordas, até mesmo na colocação da voz de Beck, ao abordar as canções. Estas circunstâncias não me pareceram (nem me parecem agora, diga-se, uma vez que o voltei a ouvir) tão sublinhadas em Sea Change. Daí que, com um certo sentido de paródia, possa dizer que “Morning Phase é ainda mais Sea Change do que o próprio Sea Change é, if you know what I mean.” Isto se entendermos como verdade que o disco de 2002 mostrou um Beck mais cool e mais crooner do que nunca, e com trejeitos que me fazem lembrar ainda hoje o Scott Walker dos seus primeiros discos a solo. Essa novidade, se assim quisermos colocar a questão, e por força das circunstâncias, já não existe hoje. Sea Change já tem mais de dez anos de existência, e Morning Phase leva a ideia de Sea Change mais a fundo, o que poderá ser um risco. Se “crescer”, como “crescem” eternamente as grandes obras primas, poderemos estar na presença de um caso sério. Se não se transformar assim tanto, estaremos sempre na presença de um bom disco de Beck, que não ficará na história da sua discografia como uma das suas mais importantes obras, mas que mesmo assim não a vai manchar minimamente. Até pela simples razão que muitos partilharão comigo: Beck não é capaz de fazer um mau disco. Mas vejamos! Em Morning Phase não há temas tão fortes como havia em Sea Change. Por exemplo: canções quase perfeitas como são “The Golden Age”, “Guess I’m Doing Fine” ou a superlativa e singalongueante (mais do que todas as outras) “Lost Cause” não têm representantes à altura neste disco. Talvez “Blue Moon” seja a que mais se aproxima da excelência das canções do disco de 2002. Todas as outras mostram-se aquém, na minha opinião. Umas bastante, e outras nem tanto. E há mesmo algumas que estarão, a manter-se o estado de coisas (se não crescerem, como há pouco referia), condenadas ao esquecimento. Talvez “Wave” seja o caso mais significativo, a canção menos conseguida, pretensiosamente sinfónica, mas sem golpe de asa que lhe permita o voo ascendente. No entanto, também me parece que canções como “Blackbird Chain”, “Turn Away” e sobretudo “Country Down” já me parecem mudadas para melhor, desde a primeira audição. Há esperança, portanto, e isso conforta-me. Até porque queria mesmo gostar deste Morning Phase à primeira, como gostei, adorei, idolatrei Sea Change. Amar certos artistas é uma coisa lixada, mas se assim é, assim permanecerá, e o primeiro passo por esse respeito deve implicar sempre a verdade com que abordamos as suas obras. É apenas isso que aqui pretendo deixar claro. Quando se ama, não há dias maus. Haverá, quando muito, dias em que se sofre um pouco mais.