Há a sétima arte e depois há a sétima edição do Vodafone Mexefest, que decorreu sexta-feira e no sábado e motivou costumeiro sobe e desce da Avenida da Liberdade, em Lisboa.
Entrámos logo a matar, com o funaná eléctrico dos Fogo-Fogo a incendiar os corpos na Casa do Alentejo. Se alguma velha entrevada tivesse ouvido o seu groove frenético, não temos dúvidas que se levantaria da cadeira de rodas para uns pezinhos de dança. O palco acabou invadido, dezenas de corpos bailando em uníssono, num esforço conjunto para mandar o estrado abaixo. Que bom que é viver nesta Lisboa mulata, branca na pele, cada vez mais negra no coração.
Rumamos ao Coliseu, onde a chillwave de Washed Out soa já algo datada, mas ainda consegue abanar algumas ancas – o espetáculo vive muito do vídeo, o trio está quase sempre no escuro, com os seus corpos a amparar as projeções. Em destaque está o disco deste ano, Mister Mellow. Só para devotos.
Depois, o Palácio Foz albergou o momento mais terno da noite: o casal Lavoisier, íntimos e vulneráveis como se os víssemos de pijama no quarto. Com o seu saudável asco a purezas identitárias, o duo-maravilha fez questão de contaminar a música tradicional portuguesa com outros sabores. Destacamos a guitarra eléctrica à Jeff Buckley e uma voz deliciosamente teatral, que nos lembrou a Simone Oliveira depois de fumar o seu terceiro joint. É difícil trocar por palavras a magia daquela música. É como se apanhássemos a Ana Deus com os Gaiteiros de Lisboa na cama, ou a Catarina Chitas a fazer marotices ao técnico de som dos Cowboy Junkies. Como se consegue fazer tanto com tão pouco? Não sabemos. Mas queremos voltar ao quarto de Roberto e Patrícia.
Nova passagem pela Casa do Alentejo para um super-lotado concerto dos malianos Songhoy Blues. Nada há de muito inventivo aqui, mas é tudo demasiado bom para não merecer rasgados elogios – há blues, há rock, há o cheiro a deserto e o suor dos grandes momentos. Largas dezenas de pessoas esperavam o seu lugar para entrar, mas os desistentes eram quase nenhuns – urge um regresso em nome próprio do grupo, uma das maiores surpresas do dia um de Mexefest.
Seguimos depois para um Tivoli que não estava qual metro em hora de ponta por mero acaso. É que o mais brilhante escritor de canções da sua geração estava por lá, apresentando os seus novos temas. Falamos, é claro, de Manel Cruz, franzino de corpo, mas com imaginação para dar e vender. Comprámos, que não é todos os dias que temos a oportunidade de ver o nosso portuense favorito a não fazer a barba às ideias connosco.
De volta ao Coliseu, Dan Bejar e os Destroyer quase foram sabotados pelas precárias condições de som, mas nem isso travou um belo espetáculo: quase dez músicos em palco, muitos sopros, fulgor rock – o entusiasmo é maior pelos momentos do passado, mas o novo Ken também merece elogios na transposição para palco.
O fim de festa deu-se com os Orelha Negra, uma das bandas portuguesas mais aclamadas de anos recentes e fazedores de um dos discos nacionais do ano. O Coliseu, lotado, fez justiça a estes músicos.
Foi uma noite bonita, que nos deixou água na boca para aquilo que viria a ser o dia de sábado.
Reportagem: Pedro Primo Figueiredo e Ricardo Romano || Fotografia: Inês Silva