Das flores no cabelo, em São Francisco, até ao pesadelo de Altamont, nunca uma geração viveu tão intensamente como a dos anos 60 do século XX.
Peguem uma cadeira, sentem-se confortáveis porque o que agora vão ler é uma história sobre o início do fim da utopia hippie e também dos anos 60, propriamente ditos. Ora cá vai:
“Please Allow me to introduce myself, I’m a man of wealth and taste…” vociferava um alucinado Mick Jagger, enquanto em seu redor se dava a machadada final, quase literal, na geração Paz e Amor. Era o fim da inocência…
“This is the beat generation” afirmara, duas décadas antes, Jack Kerouac ao descrever o seu círculo social. Era o surgimento de uma nova corrente, um estilo diferente, claramente associado aos artistas, escritores boémios e consumidores de droga. O conceito de Beat Generation era apenas este: liberdade criativa e espontânea. Daqui saíram obras primas como Howl, de Ginsberg ou On the Road, do próprio Kerouac. O seu interesse na experimentação, nomeadamente em drogas e sexo, aliado à confrontação à autoridade, influenciaram muitos que sentiram estar aí a resposta, surgindo, nomeadamente nos anos 60, aquilo a que se acabou por chamar de uma contra-cultura. Uma oposição ao sistema, especialmente por parte da população jovem.

O mundo estava a mudar, Kennedy era assassinado em Dallas enquanto Martin Luther King tinha o “sonho” de ver uma America livre de preconceitos. Estávamos no auge da Guerra Fria, o perigo nuclear era iminente e os USA invadiam o Vietname. Com estes acontecimentos todos, uma derivação da tal contra-cultura apareceu. “All you need is love” cantavam estes jovens um pouco por todo o mundo, mas essencialmente em Inglaterra e nos Estados Unidos da América.
A partir de 1967, deu-se o auge da geração Hippie. O infame Summer of Love, que não era mais do que uma descrição de todo o sentimento que se viveu em São Francisco, durante esse Verão.
Influenciados por uma nova mentalidade, tanto cultural, como musical e até de drogas e por Timothy Leary, famoso médico que incitava à experimentação de ácidos, como o LSD, milhares de jovens amontoaram-se em Haight-Ashbury, em São Francisco, para apenas partilharem o seu gosto pela vida, pelas drogas, pela experimentação e sobretudo para tentar mudar o mundo. Exemplo maior disso terá sido a aglomeração de hippies em frente ao Pentágono norte-americano num claro movimento contra a guerra do Vietname. Estes jovens pretendiam levantar, apenas com a força da mente, o tal edifício militar.

Álbuns como Sgt Pepper’s dos Beatles, Pet Sounds dos Beach Boys ou Surrealistic Pillow dos Jefferson Airplane tiveram enorme influência nestes jovens. Eles acreditavam que seria possível mudar o mundo apenas com Paz e Amor, sendo o maior exemplo disso o festival que se realizou dois anos depois no estado de Nova Iorque: O Woodstock Festival – “An Aquarian Exposition with an arts fair, crafts and food”. Três dias de Paz e Música, assim prometia o cartaz. Pois bem, o festival que hoje todos conhecemos por ter sido um marco único na história de milhares e milhares de jovens amontoados em frente ao palco até ao fugir da vista, não pretendia ter sido o que foi. Começou por ser um festival supostamente pago para cerca de dez mil a vinte mil pessoas, havendo realmente gente que pagou o seu bilhete. 400 mil migraram de várias partes dos Estados Unidos, invadindo e fazendo transbordar todo o recinto destinado ao evento.
Não havia condições mínimas para tamanho número de pessoas. Para piorar o cenário, chovia copiosamente. Muitos temeram o pior. A mistura de álcool, droga e a própria aglomeração de tanta gente convidava à violência e à tragédia. Não aconteceu.
Debaixo de um enorme dilúvio, milhares e milhares de pessoas, muitas apenas como vieram ao mundo, dançavam e abraçavam-se, tentando atingir o verdadeiro sentido da vida, ou apenas o conforto da existência humana. Isto tudo ao som de uma banda sonora composta por gente tão ilustre como Joe Cocker, Creedence Clearwater Revival, Crosby, Stills, Nash and Young, Jimi Hendrix, Jefferson Airplane, Janis Joplin, Santana ou os The Who.

O Woodstock foi um hino à geração hippie, onde se pensou que tudo seria possível, apenas acreditando no poder da mente e na harmonia entre as pessoas, não havendo nada de cliché nesta afirmação. Era realmente o espírito da população jovem daquela época.
Talvez motivados pelo facto de os Beatles estarem em vias de se separarem, os Rolling Stones sentiram que estavam no topo do mundo. Resolveram então fazer eles próprios o seu “Woodstock”. Em Dezembro desse mesmo ano de 1969, tentaram realizar um festival que contava com bandas como os Grateful Dead ou os Jefferson Airplane, estes últimos estavam em todas, personificando fielmente o retrato hippie daquela altura. Com várias dificuldades para conseguir arranjar um bom sítio para o festival, os Stones apenas conseguiram, praticamente em cima da hora, com prenúncio de cancelamento por parte dos organizadores, arranjar um lugar para o dito evento. Altamont Speedway era o seu nome. Como seguranças, foram contratados os motoqueiros Hells Angels. Formados em 1948 na California, os Hells Angels retiraram o seu nome do famoso filme com o mesmo nome, realizado por Howard Hugues, personificado por Leonardo di Caprio, em The Aviator, realizado por Martin Scorsese.
Convém referir que este grupo de motoqueiros esteve sempre relacionado com roubo, violações, racismo ou assassínio. A sua mota era mais importante para si do que qualquer outra coisa no mundo, incluindo a própria mãe.

Diz-se que, apenas por 500 dólares pagos em cerveja, os Hells Angels aceitaram ser os seguranças do concerto.
Por estar tão perto e tão baixo, o palco era constantemente invadido por jovens loucos que queriam estar ao pé dos seus ídolos. Claramente alcoolizados, os violentos motoqueiros começaram por tratar do assunto à sua maneira. Tacos de snooker e soqueiras incluídas, tudo valia para pôr ordem no espaço. Até membros dos Jefferson Airplane foram agredidos por estes Hells Angels. A confusão reinava muito antes dos Stones terem subido ao palco. Quando se pensava que tudo estaria sob controle, qualquer pequena querela reacendia o rastilho dos seguranças, que não tinham qualquer problema em espancar quem quer que fosse. O caos estava lançado. Não estávamos, de facto, em Woodstock.
Quando chegou a vez de os Stones entrarem em palco, a situação estava completamente descontrolada. Então, Mick Jagger tentou dar a performance da sua vida para se fazer o centro das atenções, tentando, dessa forma, terminar os tumultos. Até que, durante a alucinante “Sympathy for the Devil”, os problemas recomeçaram, tendo-se passado algo muito grave, pois rapidamente foram chamados médicos e ambulâncias. Um homem tinha sido esfaqueado e pontapeado por elementos dos Hells Angels. Acabaria por falecer no Hospital mais tarde.
A machadada na dita contra-cultura e na geração hippie tinha sido dada e de repente o festival de Woodstock parecia ter sido há séculos atrás…
“Pleased to meet you, hope you guessed my name”. O verso do eterno tema dos Stones é, no mínimo, um bom exemplo da mais fina ironia…
Mai nada!
Rock And Roll!!