No centro do Coliseu de Lisboa, Tiago Bettencourt teve dos mais brilhantes desenhos de luz e produção visual a que assistimos este ano. Nada de megalómono, mas que permitiu criar tonalidades intimistas e poderosas, compensando gráfica e cromaticamente as imagens sugeridas na poesia e nos arranjos das suas canções.
O conceito 360º em concerto já não é novidade para ninguém. Mas já lá vão seis discos e quase duas décadas de canções densas e repletas de poesia, muitas das quais sem aquele formato canção a que estamos habituados. A ideia de Tiago Bettencourt é celebrar num ambiente mais intimista, numa envolvência mais acolhedora, onde o tempo permite perceber os pormenores dos arranjos e a proximidade não nos deixa ficar longe demais.
Sentados no Coliseu da capital, embarcamos numa viagem que vai dos tempos dos Toranja até ao mais recente disco a solo, A Procura (2017). Tiago Bettencourt está no centro de um palco redondo, que nos faz lembrar os tempos em que íamos ao circo, rodeado pelos Mantha e um coro de cinco vozes, composto por amigos de infância. Contamos três microfones, cada um na sua direcção, que são usados por Tiago em todos os temas apresentados. Mesmo nos momentos em que conversou connosco, e foram vários, começava num microfone e acabava no outro, saudando-nos humildemente e fazendo-nos rir muitas vezes com as histórias que o ajudaram a compôr cada canção. As luzes, poderosas, fizeram o resto, envolvendo-nos profundamente na sua poesia e arranjos musicais.
Entre as guitarras e o piano, Bettencourt apenas largou os instrumentos por dois momentos. Primeiro para nos encantar com a sua profunda versão de “Absolute Beginners”, de David Bowie, sozinho com Daniel Lima ao piano. Depois para recriar o videoclip do êxito de uma vida, “Carta”. De gorro na cabeça e go-pro na mão, vagueou pelo meio de nós, filmando-nos e deixando-nos cantar com ele aquela canção, tão difícil de acompanhar nas suas estrofes carregadas de palavras.
Antes de desligar a câmara e de sair para o encore, fez questão de agradecer, filmar e apresentar-nos, um a um, todos aqueles que fizeram possível aquele bonito espetáculo, dos músicos ao coro, dos técnicos de som e luz à editora e promotora. Da plateia, celebrámos todos eles com palmas, as que mais se ouviram num concerto em que o público, organizadamente sentado e tremendamente envolvido e intimidado com tão belo espectáculo de luz e de som, nunca se quis sobrepôr aos temas, às letras e aos arranjos.
No final, somos ainda surpreendidos por um tema a estrear. “Manhã” é sobre aqueles momentos em que não queremos mudar nada porque está tudo certo. Era assim que Tiago Bettencourt e seus Mantha humildemente se sentiam ali no meio de nós. Fechámos todos em uníssono com “Morena”. Bravo, Tiago.
Fotografias gentilmente cedidas por Nuno Conceição