“Eu moro en NY. Tein un fusca e un violón, soy flamenco e tein una mega llama Teresa.” Foi assim que Juan Wauters assinou um dos muitos posters vendidos na noite de 25 de setembro, depois de lhe terem pedido para escrever o que quisesse. Isto diz-nos algo sobre este rapaz, uruguaio de nascimento, mas nova-iorquino de coração. É um músico descontraído, com um à-vontade impressionante em palco, e isso refletiu-se na sua atuação no Salão Brazil.
Com dois álbuns a solo na bagagem – N.A.P. North American Poetry e Who Me?, estando a apresentar o último nesta tour – lançados na editora Captured Tracks e mais uns quantos com a sua banda The Beets, Juan Wauters entrou em palco, após ter sido apresentado pela promotora do espetáculo, de maçã meia roída e copo de vinho na mão. Sentou-se ao piano da casa e abriu o concerto com uma pequena introdução no mesmo. Seguiu-se mais uma canção no piano, desta feita tocado apenas com uma mão, estando a outra a segurar o microfone. Divertido, saltou do piano e agradeceu ao público. Foi, então, em espanhol que saiu a primeira música acompanhada pela grande amiga de Wauters, a guitarra acústica. A querida canção “Así No Mas”, em que Juan promete um universo em que tudo é fácil a alguém, precedeu o dedilhar líquido de “Water”. Numa música bastante introspetiva, o cantautor parecia querer tornar perguntas como “Who is it that I am? What is it that I’m for?” mais leves, evitando uma postura solene, não parando de se mexer, a dançar ou simplesmente a andar, de uma forma algo cómica e voltando sempre à sua posição de origem – de perna alçada sobre um banco, ali posto apenas para esse propósito. No final voltou a agradecer, acrescentando que era a primeira vez que tocava para uma plateia sentada, mas que estava a gostar da experiência. Muitos aplausos e depois uma música sobre a loucura.
A animada “Sanity or Not” pôs muitos a abanar-se nas cadeiras, ao som do ritmo compassado, acelerado e alegre da música. Uma guitarra, vocais orelhudos e fez-se simples a festa. Juan, sempre bem disposto, dançou também e espalhou felicidade pelas gentes que estavam no Salão Brazil. Nesta canção, o jogo de luzes foi forte. Já se tinha notado antes, mas aqui foi onde se destacou pela primeira vez. A receita é simples: umas quantas lâmpadas (daquelas velhas com uma luz amarelada) espalhadas pelo palco, em vários pontos chave, e um senhor muito concentrado a brincar com elas. O resultado é um contraste entre a luz e a sombra que, embora não ajude às fotos, dá um complemento visual às músicas muito interessante.
Chegava então altura de largar o modo solo e chamar amigos para o palco. Primeiro entrou um tal de Brian, que foi para o teclado e, nesse instrumento, acompanhou Juan em “I Was Well” e “This Is I”, tendo a última sido mais prolongada que a versão de estúdio e com um som mais aberto e expansivo, soando melhor até que a versão que podemos ouvir em Who Me?
Em seguida, Brian foi para as congas e mais um rapaz se juntou ao grupo, indo ocupar o lugar de segunda guitarra, eletrificada, para dar mais alguma textura ao som de até então. Assim, passaram por “En Mi”, música que abre de bela forma o último álbum do uruguaio, “Goo”, em que Juan afirma a sua habilidade como guitarrista (“I am playing the guitar just ‘cause I’m good at it”), pela descontraída e com “sabor” a verão “Lost in Soup” até à triste crónica de “She Might Get Shot”. Todas muito bem interpretadas e sempre levadas uma leveza incrível, em parte por culpa da alegria e boa disposição dos ocupantes do palco, que trocavam muitas vezes sorrisos e até piadas entre si. Depois então, Juan Wauters aproveitou para agradecer à produção (nomeando-os individualmente!) e a todos os presentes, acrescentando “It’s very good to come to a place that’s so far away from home and see so many people. Thank you!” Depois, atirou-se para “I’m All Wrong” e finalizou de forma triunfante com a inebriante “Nena”, ouvindo-se o verso “un animal!” a ser entoado inúmeras vezes.
Assim, terminou temporariamente o concerto para um estrondoso aplauso (maior ainda que os anteriores) e um regresso de Juan ao palco que, antes de prosseguir, perguntou “You guys want one more?”, ao que o público respondeu quase em uníssono “Yeah!”. Essa “uma” música acabou por se desdobrar em três, num final muy belo e, como sempre, cheio de felicidade. Primeiro, uma nova música, tocada no piano, seguida do dedilhar simples de “Continue to be You” e terminando com “Ay Ay Ay”, escolhida depois de alguém na sala suspirar “ai ai ai”. Nesta última, como um mantra, é repetido o mesmo acorde e volta-se sempre ao verso “Ay ay ay, dando vueltas sin pensar”, que em conjunto com a voz de Juan levaram o público a uma hipnose profunda. Com o término da canção, este estado de transe foi quebrado e os aplausos inundaram o ar, findando assim a primeira (e muito feliz) passagem de Wauters por Coimbra.
Na cidade dos estudantes, o cantautor provou aquilo que é: um rapaz simples, que faz músicas bonitas e que não quer levar-se muito a sério. E às vezes faz-nos bem o confronto com alguém assim tão humilde e acessível. Lembram-nos que os músicos são tal como nós; não há cá pedestais para ninguém. Quem assistiu ao concerto saiu mais contente com a vida e com a alma cheia, certamente. Volta sempre Juan!
Fotos: Beatriz Negreiros