Murmur é um dos álbuns mais influentes dos anos 80, pilar da resistência indie contra um mainstream balofo e decadente. O college rock acabado de nascer.
Estamos em 1983, na gorda américa. Reagan está no poder, o cilindro do capitalismo varre tudo à sua frente, a pop frívola domina o tempo de antena. As universidades são dos poucos bastiões de resistência, com as suas estações de rádio independentes como braço armado. O college rock podia estar entrincheirado no canto esquerdo da frequência (entre o 88.1 e o 90.5 FM), mas o sinal de emissão era óptimo, transpondo os muros das universidades, chegando a quem o quisesse ouvir. Se o resto da rádio estava refém dos êxitos fabricados pelas majors, as rádios universitárias punham no ar o que bem lhes apetecia, com especial predilecção pela música das editoras independentes. Não era o dinheiro o que as movia, era o espírito de missão: romper o cerco estético das grandes editoras, levando o bom rock alternativo aos seus ouvintes.
É neste contexto que surgem os R.E.M., colocando o college rock no mapa com o seu grande álbum de estreia (editado pela independente I.R.S. Records). Sofisticados culturalmente, herdeiros da insubmissão punk mas demasiado burgueses para a violência do hardcore lhes dizer alguma coisa, geram uma forte identificação nos estudantes universitários com pretensões artísticas (na sua maioria, brancos de classe média). O lado negro desta comunidade do college rock é fácil de adivinhar: um snobismo cultural indisfarçável e um constante patrulhamento do gosto alheio. Quem for apanhado a ouvir Wham! ou Madonna é proscrito com desdém do círculo de eleitos.
Os R.E.M. amam o pós-punk inglês, e a sua influência faz-se notar em Murmur (especialmente P.I.L. e Gang of Four). Contudo, distanciam-se do seu ódio à melodia e ao classic rock. A explosão do punk acontecera há seis longos anos, era já tempo de fazer as pazes com os anos sessenta, ouvindo sem complexos os discos dos velhos hippies. É assim que os R.E.M. incorporam no seu som os luminosos arpejos de guitarra de Roger McGuinn. Ponham os Byrds e os Gang of Four numa misturadora eléctrica, e terão descoberto o mágico segredo de Murmur.
O college rock dos R.E.M. é o meio termo que faltava entre o radicalismo do punk e o putedo pop que dominava o mainstream. Do punk herdam o ódio ao establishment, uma ética “do it yourself“, o gosto pela simplicidade e pelas texturas rudes; da pop herdam o amor ao melódico e ao dançável. Murmur é o primeiro grande disco a ocupar esse espaço estético (e sociológico), antes vazio. Através do airplay constante das rádios universitárias, não há puto arty que não dance ao som de “Radio Free Europe”- o seu contagioso single.
Sem o sucesso dos R.E.M., outras bandas independentes suas contemporâneas, como os Replacements e os Sonic Youth, talvez nunca tivessem saído da obscuridade. Devolvida a credibilidade indie à melodia e à tradição, muitos foram os grupos a seguir-lhe as pisadas. Sem eles, não haveria porventura Dinosaur Jr., Pixies ou mesmo Nirvana. Murmur mostrou que era possível, apontando o caminho a toda a nação subterrânea.
Ah, já me esquecia – tem também malhas do cacete. Murmur foi um álbum tão influente que é fácil esquecermos o seu valor intrínseco: doze grandes canções que ainda hoje resistem à fuligem do tempo. Uns discos são enormes pelo que simbolizam; outros, imensos pelo que são. Murmur faz a difícil dobradinha.