Aqui há uns tempos, o parceiro de escrita Altamont Carlos Lopes escreveu um texto especial sobre o terceiro álbum de diferentes bandas que o marcaram especialmente. Recordo-me de, aquando da partilha da sua vontade em o fazer, ter instantaneamente pensado em Vitalogy, e em debruçar-me sobre o mesmo, integrando-o no conceito definido de «difíceis terceiros discos». Porque para os Pearl Jam este foi sem dúvida um álbum definidor, usado para fazer um statement claro – recusar o caminho mais fácil, mais comercial, optando pelo choque frontal com uma indústria a salivar por entrevistas, videoclips e tours proveitosas.
Gravado ainda durante a tour do seu antecessor Vs., entre soundchecks, viagens de autocarro, e intervalos dos concertos, não se livrou de ter sofrido das consequências de algum estado de cansaço resultante dessa opção. A tensão entre os membros da banda foi marcante, também derivado de uma maior preponderância ganha por Eddie Vedder numa banda que até aí tinha sido de Stone Gossard e Jeff Ament. Mike McCready esteve entre reabilitações e portanto a primeira vítima desse ambiente foi mesmo o baterista Dave Abbruzzese, substituído por Jack Irons ainda a tempo de gravar uma das músicas do álbum (a colagem sonora «Hey Foxymophandlemama, That’s Me»). A meu ver tudo isto deu uma sonoridade mais crua, mais punk, a Vitalogy, já que a vontade para grandes arranjos era pouca e assim as músicas rapidamente evoluíram do papel para a gravação. Isto apenas serviu para dar ao statement uma maior agressividade, e com isso afastar definitivamente os fãs que apenas o eram por moda («This is not for you, fuck you!»).
Apesar de ainda marcar presença uma música de cariz tremendamente comercial («Better Man»), a toada do álbum é mesmo de ruptura com o passado recente, até na escolha para single de «Spin the Black Circle», tocada a um ritmo rápido e intenso, muito longe de um «Daughter» que despoletou tanta fama e amigos indesejados («Small my table, seats just two/got so crowded I can’t make room/where did they come from? stormed my room!»). «Last Exit», «Satan’s Bed», «Whipping», «Corduroy» todas caminham num sentido único, como que formando uma onda para engolir os media, a indústria discográfica, a poderosa Ticketmaster. A maravilhosa ode ao Kurt Cobain (apesar da constante negação, não há como enganar que o é) em «Immortality» («some die just to live»). E os interlúdios, «Pry, To», «Bugs» e «Aye Davanita», conjugadas com a tal montagem sonora final marcam também pela alienação que criam.
A carreira dos Pearl Jam teve um antes e um depois de Vitalogy, é inegável. No depois conseguiram ainda levar adiante os seus intentos iniciados aqui, com um No Code ainda mais alienante, para depois irem amansando aos poucos, álbum a álbum e esquecendo estas lutas de jovens nos seus vintes a quererem acreditar que conseguem mudar o mundo. O tempo leva a melhor sobre qualquer irreverência, certo?
Vinte anos passados e ainda me recordo de ir à loja comprá-lo. De ver a embalagem criada, de formato diferente dos CD’s, e de prometer a mim mesmo que tudo o faria para o conservar assim, como novo. Pois bem ele lá está na estante, um dos poucos com protecção à volta. Já longe vão os tempos que os Pearl Jam eram a minha vida, que era fã do Ten Club, que seguia as setlists de todos os concertos, mas olhando para trás é este o momento que me permito destacar mais, o tal «difícil terceiro álbum» que acabou mesmo por ser o melhor da banda. Quaisquer semelhanças com o momento actual são pura coincidência.