Fresh Blood, o segundo disco de Matthew E. White, é uma das maravilhas que este ano já trouxe. Façamos uma breve apresentação do sr. White: 32 anos, nascido em Richmond, Virginia, amante do jazz, da soul, do gospel e do r&b, não-crente mas simpatizante do Cristianismo e das crenças religiosas em geral (que não deverá afinal ser tão diferente assim do que por cá apelidamos burguesmente de “cristão não-praticante”) e fundador da Spacebomb (uma editora que traz de volta a ideia da “banda residente”, qual ambiciosa sucessora da Motown neste século).
Fresh Blood, conceptualmente, é um disco esparso: vai da fé ao cinema, da morte à vida, do amor à luta, de abusos sexuais ao suicídio. Composto de dez canções – e Matthew E. White é o primeiro a convidar, em entrevistas recentes, a que se pense no disco como um conjunto de canções, idealmente boas -, a grande novidade é esta: um disco melhor que a sua estreia em 2012 com Big Inner, como era aliás o próprio objectivo de White. Um disco movido na mesma direcção, imbuído do mesmo espírito, mas com melhores canções. A qualidade da banda residente da Spacebomb é fabulosa, mas não só da execução das ideias de Matthew E. White vive a sua força: a sua concepção torna-o (ainda) melhor que, por exemplo, a estreia discográfica de Natalie Prass, ou que o seu já referido antecessor (ambos, diga-se, bastantes bons). O próprio Matthew E. White parece ter procurado salientar isso quando lançou uma versão dupla do disco, onde se pode ouvir as canções sem as cordas, os sopros e os coros da versão original – mostrando-se sem medo, portanto, de retirar os enfeites do disco: para mostrar que, mais do que esconder canções pouco memoráveis, estes servem apenas para as tornar mais grandiosas. É, afinal, um disco expansivo e subtil, a que a boa arte de escrever versos e conceber melodias não foge.
Ao ouvir Fresh Blood, não consigo deixar de imaginar uma espécie de anti-profeta, que no meio da confusão dos tempos modernos nos quer contar como foi o Passado. Liderar no caos e fazer do constante ruído do Mundo contemporâneo uma confusão bela, onde há também espaço para os sussurros, para a serenidade, para o silêncio e para a construção de um forte pessoal (ou não houvesse em “Circle ‘Round The Sun” o elucidativo verso “Seeking Shelter from the Storm”, reminescente da irónica canção de Bob Dylan). Como? Através do amor, esse pacificador de tudo o resto, diriam os hippies nos 60’s; essa coisa difícil de explicar e de manter mas que lhe vai garantindo os melhores momentos da sua vida, diria – acreditamos – Matthew E. White. Fresh Blood é, então, um encontro entre uma súmula da vida – vista das experiências do autor – e a afirmação de raízes musicais num terreno demarcado mas suficientemente abrangente para se tornar interessante.
O disco começa com “Take Care My Baby”, repleta de groove, onde a voz de Matthew E. White (MEW) lidera uma canção ora efusiva ora delicada; ouve-se “Rock & Roll Is Cold” – absolutamente honesta na provocação do seu título -, passa-se por “Fruit Trees” e “Holy Moly” – a tal sobre abusos sexuais, onde ainda assim, ou por isso mesmo, MEW repete constantemente o que uma leitura apressada tomaria como um paradoxo: “Fuck’em all / Love is all” -, chegando-se à belíssima “Circle ‘Round The Sun”, canção sobre a morte e a possibilidade da vida eterna. A segunda metade segue pelo mesmo caminho, com títulos como “Love Is Deep” – onde Matthew nos diz que “Love is deep shit” -, e “Vision” – onde nos canta que “Love is a decision”, mas também “Golden Robes” e as em certa medida cinematográficas “Feeling Good Is Good Enough” e “Tranquility” – a primeira é citação da afirmação de Willem Dafoe em Platoon (1986), e a segunda é uma canção de homenagem a Philipp Seymour Hoffman: pouco facilitista e superficial, num limbo entre a serenidade e a distorção e numa oscilação entre a quietude e um ambiente pesado, onde Matthew E. White acaba a cantar quase interminavelmente os versos “I rid my heart of all that resists tranquility”.
Fresh Blood é assim meio caminho entre a soul e o gospel, a vida e a morte, o amor e o ruído. E é uma voz firme, bem colocada, segura da experiência ganha nos últimos dois anos, não só a comandar um grupo de talentosos músicos como a dialogar com eles: e isso, evidentemente, faz toda a diferença.