Os Pulp foram uma das melhores bandas da chamada britpop, e provavelmente aquela que mais soube criar um universo muito próprio que sempre a distinguiu de todas as outras. O mérito desta façanha vai inteirinho para Jarvis Cocker, o vocalista / mentor / iconoclasta que sempre liderou um conjunto que lutou com todas as suas forças desde os anos 80 para conhecer a fama já num último e desesperado fôlego com o brilhante Different Class, de 1995. Esse sucesso, alicerçado em temas imortais como «Disco 2000» e sobretudo «Common People», levou-os a surfar com brilhantismo a onda mais bonita do britpop, sem que muita gente soubesse que os Pulp andavam há mais de uma década a dar-nos canções pop feitas de inadaptação, dor, solidão e sede de amar.
Depois desse extraordinário sucesso, os Pulp ainda fariam mais dois discos: o excelente This Is Hardcore, de 1998, e o menos brilhante We Love Life, de 2001. O fim da banda viria algum tempo depois. Jarvis, com a sua fisionomia desengonçada e terrível sentido de moda, foi elevado a figura da sociedade musical britânica, e esse estatuto de celebridade acabou por fazer vítimas: a banda, que se sentia consumida e apagada pela fama de Cocker, e o próprio vocalista, desiludido com o que a fama (perseguida durante anos e anos) afinal lhe havia trazido – pouca da satisfação pessoal que sempre buscara.
Mas o fim dos Pulp – que até voltaram para dar alguns concertos e apresentar algumas, poucas, músicas novas – não foi o fim de Jarvis Cocker.
Em 2006, lançou Jarvis, o seu primeiro disco a solo, seguido de Further Complications, de 2009. No entanto é o primeiro disco que nos traz aqui hoje, para fazer luz sobre uma pérola negligenciada da pop feita em Inglaterra.
O que se pode dizer é que, neste Jarvis, o cantor consegue encontrar simplicidade e descomplicação que faltavam nos últimos discos dos Pulp, que foram progressivamente ganhando camadas, duplos e triplos significados, mundos dentro de mundos, e muitos meses de estúdio. Aqui, a solo, a ausência de uma banda terá feito Cocker centrar-se mais na composição das melodias do que no trabalho de estúdio, e o disco ganha, por isso, uma leveza assinalável.
Mas o que temos, sobretudo, são os grandes temas de sempre de Pulp e de Jarvis. O amor, a busca dele, a inadaptação, a repressão, a estranheza, o desconforto, a esperança e a desilusão. Tudo, obviamente, embrulhado no extraordinário bom gosto pop de Jarvis Cocker, que neste primeiro disco a solo aposta mais ainda em simples músicas que nos agarram às primeiras audições. Mais até do que em discos dos Pulp, quase todos os temas poderiam ser singles. Dos 11 temas (mais dois pequenos interlúdios instrumentais), 10 são óptimos, e outro é razoável. Destaco, entre todos, «I Will Kill Again», com a line dedicada a noites solitárias em frente ao computador: «Log on in the nightime / Drink a half bottle of wine / Buy a couple of records / Look at naked girls from time to time»; «Big Julie», um eco muito claro do som típico de Pulp; «Don’t Let Him Waste Your Time», que é Jarvis vintage. Contudo poderia estar aqui o dia todo. Ouçam o disco, isso basta.
Para além da música, Jarvis tem-se mantido um rapaz ocupado. Foi viver para Paris, colaborou com artistas como Wes Anderson, Marianne Faithful ou Charlotte Gainsbourg, tem um programa semanal na BBC Radio e é editor de uma colecção da prestigiada editora literária Faber & Faber.
Talvez um dia reforme os seus Pulp, agora que o percurso deles é reavaliado com os olhos que merece, alvo de um recente e excelente documentário: Pulp: a Life about Life, Death & Supermarkets.
Mesmo que tal não aconteça, a obra que já fez é suficiente para nos alimentar. His ‘n’ Hers, Different Class ou este Jarvis são magníficas portas de entrada para o mundo deste excêntrico inglês de Sheffield. Uma das vozes mais criativas dos últimos 30 anos na música mundial. Só isso.