Stuart Murdoch, o homem por trás dos escoceses Belle and Sebastian, que nos trouxeram tantas coisas boas ao longo dos anos, é um sujeito hiperactivo. Não satisfeito com a carreira musical de sucesso que se conhece, sempre teve a intenção de se embrenhar em áreas como o teatro e o cinema. Neste último caso, acarinhava desde 2004 uma ideia: fazer um filme musical centrado no dia a dia de jovens mulheres. Para tal, repescou umas canções ao reportório da sua banda, que ele achava se adequavam ao tema, e foi compondo novas músicas que se poderiam encaixar no seu novo exercício-fetiche. A novidade aqui é que seria um disco cantado por mulheres, relatando essas histórias na primeira pessoa. Para tal, Murdoch colocou um anúncio no jornal e fez audições através da internet, acabando por encontrar as várias vozes femininas de que precisava. Entre elas, a que tem mais predomínio (canta em 10 das 14 faixas) é a irlandesa Catherine Ireton.
Com o filme a enfrentar dificuldades de produção (nomeadamente financiamento), o homem dos Belle and Sebastian considerou – com toda a razão – que já tinha material suficiente para fazer um grande disco. Perante a incerteza sobre se o filme alguma vez viria a ser feita, decidiu gravar o álbum, que acabou por ser editado em 2009.
Na verdade, estamos perante um disco de Belle and Sebastian mas que não é dos Belle and Sebastian. O disco é creditado a God Help the Girl e, à excepção de dois temas anteriormente gravadas pelos Belle and Sebastian, todas as músicas são inéditas. Murdoch também dá uma perninha nas vozes, mas raramente é ouvido ao longo de todo o disco. O que temos são 14 extraordinárias faixas, cantadas por límpidas vozes femininas felizmente cheias de expressividade e personalidade. É um disco de pop clássico, de irrepreensível bom gosto. Tem um tom deliciosamente retro, remetendo-nos para o imaginário do Reino Unido do início dos anos 60, feito de yé-yé, mini-saias, arranjos de cordas subtis e galochas coloridas. E tudo servindo de veículo a histórias normais de jovens mulheres, desde as suas angústias apaixonadas às suas obsessões literárias. Um verdadeiro tratado de como a pop não tem de ser plástica ou descartável.
Já em 2013, o projecto cinematográfico obteve a luz verde após uma campanha de angariação de fundos online. God Help the Girl, o filme, acabaria por estrear em 2014, com argumento e realização do próprio Murdoch. Acompanhando a película, acabou por ser editada a sua banda sonora, repescando os temas do disco de 2009 e acrescentando mais 14. É também uma boa porta de entrada para este magnífico mundo, mas recomendamos que entrem primeiro no disco original, mais conciso e mais forte. Esta última versão, gravada pelo elenco do filme (ver trailer em baixo), é também óptima, mas ligeiramente mais teatral e com arranjos um pouco mais complexos.
Pode o melhor disco de uma excelente banda como os Belle and Sebastian não ser dos Belle and Sebastian? Para nós pode, e este God Help the Girl é a irrefutável prova.