Ao quarto álbum, Donovan abraça o Flower Power, pisca o olho aos antros Beatnik da Greenwich Village e ainda tem tempo para passar à porta do começo mais folk da carreira, tocar à campainha e fugir. Uma guerra de editoras quase derruba o ânimo, mas um Beatle não creditado e um futuro Led Zeppelin ajudam ao resgate.
Mellow Yellow começa ensombrado pela continuação de uma disputa contratual entre a britânica Pye Records, primeira editora de Donovan, e a americana Epic, com quem assina no final de 1965. O desentendimento já tinha levado a que o álbum anterior (Sunshine Superman) tivesse o lançamento atrasado por vários meses, e com alinhamentos diferentes para o mercado britânico e americano. No caso de Mellow Yellow, o lançamento no Reino Unido foi totalmente descartado, o que levou Donovan a temer por um final de carreira precoce, assunto que voltará à superfície mais à frente.
O alinhamento começa pelo tema homónimo do álbum. Um dos hinos do Flower Power, suportado por um “stomp” suave da bateria, ao qual se vão juntando ao longo do tema os arranjos de metais cortesia de um certo John Paul Jones, bem como uma participação não creditada de Paul McCartney. A letra divaga psicadelicamente entre açafrão e alusões a vibradores sob a forma de bananas eléctricas, enquanto o próprio título pode ser associado tanto ao mito que corria na época sobre as possibilidades psicotrópicas das folhas de bananeira, como a Ulisses de James Joyce.
Os dois temas que se seguem selam a breve visita às raízes folk de Donovan. Primeiro “Writer in the Sun”, composto durante umas férias na Grécia em plena guerra entre as editoras britânica e americana. Contrariando o título, o tema é o mais sombrio do álbum, introspectivo e vergado ao peso de um possível final de carreira apenas aos 20 anos. Por seu turno, “Sand and Foam” remete-se a tempos mais felizes passados no México, com uma estrutura que revolve sobre si própria sem um refrão propriamente dito. Ambas as faixas apresentam arranjos simples, com protagonismo para uma flauta em “Writer in the Sun”, enquanto “Sand and Foam” fica entregue apenas ao sotaque carregado e ao dedilhado de Donovan na guitarra acústica, técnica que mais tarde ensinaria a John Lennon que por sua vez a viria a aplicar em temas como “Dear Prudence” ou “Julia”.
Das férias ao sol, segue-se para a média-luz e a fumarada dos bares na Greenwich Village de Nova Iorque, com Kerouac e Ginsberg por perto a traçar a história da Beat Generation, enquanto maltratam o fígado ao som de jazz e blues. “The Observation” é a ocasião em que Donovan mais estende as asas às aspirações Beatnik, que o fizeram sair de casa ainda adolescente para perseguir uma vida “on the road”, com um ambiente próximo do álbum Blues and Haikus do supracitado Kerouac, acrescido de melodia na voz.
No miolo do álbum, três temas de cariz mais bluesy: “Bleak City Woman” com o regresso da secção de metais e uma rara aparição de uma guitarra eléctrica; “House of Jansch” de novo a recorrer aos deliciosos dedilhados de Donovan na guitarra acústica, juntamente com uma vénia ao amigo e compatriota Bert Jansch pelo terceiro álbum consecutivo (Fairytale contém uma cover de “Oh Deed I Do” e Sunshine Superman um tema chamado “Bert’s Blues”); “Young Girl Blues” com um arranjo ainda mais despojado e referências tão inequívocas quanto ousadas a masturbação feminina no refrão.
“Museum” faz regressar a secção rítmica e a guitarra eléctrica, acompanhados de um violino, com um balanço que se poderia julgar perdido desde a abertura do álbum. Potencial banda sonora para uma ressaca alegre (se é que tal coisa pode existir), que faz pelo menos querer bater o pé, mesmo que todos os outros músculos não queiram colaborar.
A soturnidade regressa uma última vez em “Hampstead Incident”. O violino mantém-se por perto, mas em oposição à leveza da faixa anterior. Aos dois minutos e meio acontece uma reviravolta quase jazzy, que fica ensanduichada entre duas fatias de melancolia não totalmente dissimilares a alguns ambientes que um Alex Chilton em breakdown viria a criar onze anos mais tarde para o terceiro álbum dos Big Star.
“Sunny South Kensington” traz o sol e o optimismo de volta, miúdas giras na rua e menções a Jean-Paul Belmondo, Mary Quant e Allen Ginsberg, fechando o alinhamento de um álbum diversificado sem se tornar incoerente ou disperso. Donovan consegue aqui não só evadir-se das sombras que chegaram a pairar sobre a sua carreira, como tornar-se uma das figuras importantes do Flower Power, descolando convincentemente o rótulo de “Dylan-clone” que lhe tinha sido aplicado no início da carreira.